ENTREVISTA COM JOTA CHARANA


                                   ENTREVISTA COM JOTA CHARANA



Nos últimos anos algo foi mudando desde o teu começo no samba em Portugal. Onde começaste e como foi o teu trajecto?


Não é uma resposta fácil até porque já passou algum tempo. Lembro-me dos corsos carnavalescos que participava em criança, isto nos anos 90.O início das baterias de samba na Figueira. O primeiro Grupo teve por nome “Os Marrriates” (com três “R”). Foi neste meio que cresci.
Em Outubro de 1995 dá-se a fundação da Escola de Samba de Buarcos, que posteriormente em 2000 viria a chamar-se escola de samba A Rainha, saindo à rua em 2001 pela primeira vez com este nome, fiz parte até Fevereiro de 2002.


Abril de 2002 nasce a Associação Unidos do Mato Grosso por minha mão e de mais seis amigos. Aí permaneci presente até 2013

2014 e 2015 rumei a Estarreja onde tive o privilégio de participar através da verde e rosa Trepa Coqueiro.

Os últimos anos tiveste a experiencia no Carnaval de Estarreja. Que opinião tens sobre esse Carnaval e sobre o nível das Escolas de Samba?


Actualmente e no que diz respeito a qualidade de escolas de samba é o melhor carnaval do país, bem organizado e com infra-estruturas bem pensadas, escolas com muita qualidade e uma massa humana que sempre aparece para encher as bancadas participando efusivamente.
No entanto acho que pecam no momento do julgamento das escolas. Seria melhor tentar arranjar júris com conhecimento para o efeito e que estes estivessem presentes no momento do lançamento de notas ao vivo.

Devia ser obrigatório também a comparência dos mesmos nos barracões das escolas com vista a conhecer melhor os enredos, sambas, fantasias, ensaios…de modo a facilitar o julgamento. Com isto não ponho em causa classificações. É a minha opinião baseada no que vi e nas consecutivas ondas de contestação na apuração de resultados.

A qualidade das escolas aliada a qualidade de julgamento daria um carnaval total.



Porque decidiste este ano não voltar a participar do Carnaval de Estarreja com o Trepa Coqueiro ?


Por opção de ambas as partes e para que a escola saísse favorecida. No entanto continuo afecto à escola desejando o melhor para o futuro

Como foi o teu Carnaval 2016 ?


Diferente e atípico. Vivi de fora pois este ano não participei em nenhum corso.
É complicado vir do Rio e encontrar a nossa realidade, a “pica” desaparece.
Parece estar quase tudo errado. No entanto acho que foi a melhor opção.


Tens ultimamente participado de vários concursos de samba de enredo?
Como tem sido e que opinião tens deles?


Na minha opinião o concurso só faz sentido quando o colectivo fica a ganhar. É minha convicção que através de um concurso haverá mais possibilidades de obter um melhor samba, no entanto acho que 90 % das escolas ficam prejudicadas no resultado obtido, ou por má organização e falta de regulamentos credíveis ou por falta de coragem de quem vota, que não consegue separar as amizades dos sambas, ficando a escola sempre a perder. O resultado tem sido visível ate nos resultados de carnaval, é só ver as notas dos sambas e respectivas harmonias e comparar com o resultado das escolas e avaliar a prestação global das escolas ao som de sambas sem power, sem picos e vibrações, contudo há escolas que têm uma matriz de concurso em que isto não acontece.

Como tens visto a evolução do samba de enredo em Portugal ?


Noto que todos os anos aparecem dezenas de compositores novos, que é de salutar o seu aparecimento mas que todos deveriam de ter noção da qualidade apresentada. Fazer um samba não é só colocar uns acordes e ir buscar a uma sinopse as palavras mais apaixonadas e apresenta-lo.
Gostos não se discutem, mas aprecio com alguma perplexidade a opinião dada por pessoas com muita sabedoria e posição, a alguns sambas que surgem e são conotados como espectaculares com base não na qualidade do samba mas sim pelos seus autores. Acho que vivemos numa nova fase onde queremos seguir aquilo que se faz no outro lado do oceano mas onde se tenta encaixar isso a ligações de amizade e interesse onde por vezes as escolas ficam a perder.
Acho que ainda não conseguimos eternizar sambas nossos no entanto todos os anos surgem grandes sambas, a meu ver construídos sempre pelos mesmos.


Como vês o actual momento do Carnaval em Portugal relativamente as escolas de samba?


Vejo com alguma preocupação pois todos os carnavais passam por dificuldades derivado ao estado do pais e à redução de orçamentos. Havendo escolas que trabalham muito bem durante o ano com vista ao encaixe de verbas e massa humana que possam ser postas em prática em Fevereiro.
Acho também que as escolas não se devem fechar ao carnaval e devem manter a actividade sambista durante todo ano. As que isso conseguem fazer, normalmente na avenida fazem a diferença.

Relativamente aos concursos nas várias cidades e até no Troféu Nacional que opinião tens sobre os critérios de avaliação, dos jurados e votação e justificativas dos mesmos?



A minha opinião dada sobre o carnaval de Estarreja é igual para todas as cidades e para o trofeu de samba.
Júris credíveis e com conhecimento, obrigatoriedade de acompanhar a preparação dos desfiles de todas as escolas. No dia, justificações dadas com seriedade e que estas possam ser objecto de correcção das escolas nos itens penalizados. Divulgação de notas ao vivo como no rio mas com o corpo de jurados presente de forma a responsabiliza-los pelo seu trabalho, pois julgar o trabalho de mais de cem pessoas e de um ano de trabalho de uma escola não pode ser de ânimo leve.
Critérios à Rio e notas à décima.


Como tens visto a evolução das escolas de samba em Portugal?


Sinceramente acho que tem havido uma estagnação relativamente à qualidade das escolas muito devido a uma evolução repentina à uns anos das mesmas. Isto aliado a sucessivas diminuições de orçamentos camarários

Para ti quais as escolas que mais tem evoluído em Portugal no geral de todos os quesitos?


Indo critério a critério seria mais fácil no entanto no geral tenho para mim  que a escola que mais evoluiu e isso deveria ser objecto de mais divulgação foi a escola Amigos da Tijuca. Têm-se apresentado no carnaval de uma forma muito interessante. E em palco tentam sempre ir para a inovação não caindo no marasmo de outras.


A nível de bateria quais as que mais tem evoluído na tua opinião?


Acho a evolução da bateria da Costa de Prata espectacular, mostrando muito trabalho não só em palco mas em desfile, muito organizados com preocupação em abordar todo o tipo de instrumentos, com uma qualidade acima da média, conseguindo ganhar um swing muito bom. Acho também quando tentando reproduzir um samba de escolas cariocas, o conseguem fazer melhor que qualquer outra escola lusa. Muitos parabéns a todos os directores de bateria da vermelho e branco, este resultado para mim demonstra muitas horas de trabalho e saber estar.


A nível nacional que mudanças ou evoluções gostarias de ver acontecer para melhorar o nível das escolas de samba e dos seus desfiles?


Cada carnaval tem o seu ambiente e tradição local e aí não tenho conhecimento aprofundado para opinar, mas no geral se houvesse um trofeu de samba mais completo e mais intercâmbios de escolas em desfiles acho que todos ficaríamos a ganhar.

A criação de uma Associação de Carnaval de Portugal constituída por elementos de todas as escolas a meu ver seria um passo importante, não só em termos institucionais, de transparência, de apoio a todas as escolas, mas também seria um meio de se trabalhar no alargamento da divulgação do samba. Fazer chegar o samba a locais do país onde ele é desconhecido. Esta associação seria uma ferramenta única que poderia reforçar o papel das escolas não só no seu concelho, mas no país, projectando as mesmas para o exterior com fim na divulgação. Sendo uma utopia não deixa a meu ver de fazer sentida e de ter muitos pontos positivos.


Como analisas as rivalidades existentes entre as escolas de samba em Portugal? E como gostaria que fosse a ideal convivência entre elas?


Na minha óptica se todos gostassem mais do Samba do que das próprias cores as rivalidades desapareciam, ganhava-se muito mais respeito, desapareciam hipotéticos estatutos bem como faltas de humildades que em nada favorecem o meio. Acho contudo que há muito mais abertura ao diálogo entre “rivais “do que outrora, mas ainda há carnavais onde direcções “puxam a brasa à sua sardinha” mesmo sabendo que o global ou geral do carnaval fica a perder, a meu ver isso não é correcto.
A cultura do saber perder e reconhecer mérito no adversário deveria ser imposta de cima, e isso em muitos casos não se verifica.


Conta-nos um pouco de como foi a tua experiencia das tuas idas este ano ao Rio de Janeiro e mais propriamente a esse mundo do samba?




Muito haveria para contar. Efectivamente é tudo muito diferente. A escala ultrapassa os limites. As escolas estão num nível surreal. Tive a dádiva de estar em quase todas quadras das escolas do grupo especial. Assisti a ensaios, gravações de maquetes e vinhetas para a globo, tive com figuras que eu pensava que não eram reias. É mesmo outro mundo. Da Grande Rio de Caxias, à União da Ilha do Governador, à quadra da Unidos da Tijuca, a da Vila, Mangueira, Salgueiro, Estácio, Viradouro por ali vivi coisas que jamais esquecerei. Ali conheci “monstros” do samba onde muitos deles ainda mantêm contacto comigo.


Tive a oportunidade de assistir no “ chão que floresce a nobreza para o samba passar” um “templo sagrado à luz do luar”, que é “apoteose de todo o sambista” aos ensaios técnicos do Salgueiro Unidos da Tijuca , Viradouro, Grande Rio, Tuiuti, Portela. Para isto não há adjectivos.


Ficou a faltar ver o ensaio técnico da minha Beija-flor. Escola que me recebeu de braços abertos, tanto na quadra como no barracão, onde criei laços de amizade que jamais desaparecerão e que se mantêm vivos, longe de apadrinhamentos forçados e para a fotografia.


O início de muitas amizades, de um simples pintor do barracão ao lendário Neguinho passando pelo Laíla, Claudinho, Selminha, Betinho do Cavaco…Tive a dádiva de conhecer o Braço direito do Senhor Anísio, pessoa que me apresentou a todo mundo azul e branco como o sobrinho dele de Portugal e dai virou meu Tio Zé António, responsável pela Beija flor internacional departamento financeiro, logística, barracão, quadra… ele é o “cara”, e esse ”cara” realizou o sonho de uma pessoa que vive carnaval e isso não se paga nem se compra.


Muito mais haveria a contar, mas valeu a pena ir ver o Rio bem lá de cima do Cristo. Esse cristo que me abençoou e me fez multiplicar a paixão que já sentia por aquele chão, que me fez realizar um sonho pela mão do meu Tio. Tio esse que proporcionou tocar na melhor bateria do Rio que até ganhou o estandarte de ouro deste ano. Enfim estas coisas são destinadas por alguém, e o que é nosso a nós vem. Em breve lá estarei de novo.



Quais os teus momentos mais felizes no samba? E os menos felizes?


Cada carnaval é um momento especial, tal como cada show de palco ou desfile. Felizmente tenho muitos e bons momentos para recordar.
 Mas sem dúvida que dos melhores momentos senão o melhor foi num ano no festival da Mealhada onde eu festejava os meus 25 anos e no fim da actuação da Unidos do Mato Grosso a festa parou com a entrada em palco de enumeras pessoas amigas, umas de escolas, outras sem ligação nenhuma ao samba, subiram ao palco para me dar a prenda mais sentida que já tive.


No verão de 2009 em pleno arranque da minha escola de então no trofeu de samba presenciei outro momento relevante que nunca mais esquecerei, estava eu testando o som e aproveitando para dar aquele esquenta à escola, por motivos de feedback encostei-me à lateral do carro de som devidamente concentrado no que estava a fazer e totalmente abstraído do que me rodeava, ali permaneci uns bons minutos até ao momento do meu grito de guerra. Ai desloquei-me para junto da bateria e eis que me apercebi que enumeras pessoas choravam de emoção, muitos deles me ladearam e abraçaram enquanto dava o arranque do samba. Um momento indescritível e emocionante.


Outra coisa que jamais vou esquecer foi a receptividade no barracão e quadra de ensaios da Beija Flor, era como se tivesse a pisar em nuvens. Estar por dentro daquela inigualável instituição que é tão fechada como bonita, tão restrita como forte onde força vem da união e humildade de cada um que lá trabalha transmite. Ali o tempo pára, o coração palpita de maneira diferente.

Sem dúvida que sendo a primeira de muitas idas de minha parte a tão restrito espaço ficará registado tal vivência de uma maneira muito especial.

Obrigado pela tua colaboração . Abraçaço e muitas felicidades.

Obrigado pelo convite como sempre estou disponível no que for preciso.


Abraço e parabéns pelo teu esforço na divulgação do nosso trabalho.