ENTREVISTA- NUNO SARDINE-Março de 2016


ENTREVISTA COM NUNO SARDINE
( Carnavalesco em 2016 das Escolas de Samba VAI QUEM QUER e SÓCIOS DA MANGUEIRA )


Nuno foste na longa lista de entrevista que durante estes anos realizei para o meu blog ( que agora se transformou em site )a segunda personalidade do samba a ser entrevistada, corria o fim do ano de 2009. De lá para cá o que mais mudou em ti ?

NS:
Olá António. Se já na altura te agradeci o privilégio do convite, então agora passados 7 anos, friso o meu agradecimento por voltar a estar a ser convidado para conversar acerca de Carnaval. Mas antes deixo-te também uma palavra de felicitação pela transformação que o teu blog e trabalho sofreram ao longo destes anos, sempre em prol do samba. 
Ora bem... O que mais mudou em mim? 
Recordo-me que na altura falávamos sobre os meus primeiros passos nestas lides de Carnavalesco a solo e que começaram com "Eu vi Atlântida". 
Há 8 anos atrás, a única coisa que eu realmente sabia fazer para um projecto, era desenhar. 
Quando eu peguei num bloco de notas para escrever o enredo desse ano, eu estava convencido que fazer Carnaval passava tudo por escrever um enredo, desenhar e executar as fantasias e que todo este processo teria de ser levado pelo Carnavalesco. 
Recordo-me também que eu estava preso à esquelética de evolução do desfile característico de Estarreja em que as escolas se apresentavam. 
Assim me mantive durante os dois primeiros anos.
A minha mudança aconteceu quando eu vi um troféu nacional de samba de fora e que foi ganho merecidamente pelo Trepa de Estarreja. 
Nesse dia eu estava como espectador pseudo-entendido do assunto.
No final desse desfile deu-se-me um clique. Eu como espectador gostaria de ter visto mais diversidade nas escolas, mais competencia a desempenhar o enredo, algo impactante e sobretudo que houvesse um elo condutor entre todas as alas e que se notasse perfeitamente para fora. Não me bastou a alegria, a garra dos componentes nem as palmas para o público. Eu gostaria de ter visto mais.
Gostaria de visto mais diversidade, mais sectores com desempenho característico ao tema e sobretudo mais espectáculo.
E isso foi o que mais mudou em mim.
Deixei de me preocupar com o que as outras escolas faziam e concentrei-me somente naquilo que a minha escola poderia produzir. 
E essa produção não seria somente desenhar e fazer fantasias... Afinal comecei a pensar nos projectos como se de um espectáculo se tratasse. Quebraram-se barreiras, arriscou-se bastante em algumas situações, tentou-se inovar noutras...

E para poder produzir o que estava por detrás do projecto, fez-me falta quatro coisas que eu considerei fundamentais e que lutei por elas: 

1º Conhecimentos. Eu precisava de aprender mais sobre tudo o que abrangeria a "realização" desse espectáculo, como por exemplo tirar peso às fantasias para não impedir a competência do componente, entender a técnica de cada quesito ao detalhe, perceber de que forma a escola deveria evoluir, etc...

2º O que gosto e o que não gosto. Muitos deverão pensar que eu sou consumista de Carnaval. Quem me conhece sabe que eu consumo o mínimo e o mínimo é simplesmente ver os desfiles das escolas que eu gosto. E eu não me estou a referir a fantasias.
Eu aprendi a saber o que gosto de acordo com a realidade das escolas e do concurso em Estarreja, de acordo com esta dimensão. E de acordo com o que eu achei ser de maior valor acrescentado para a escola. Por exemplo, eu não gosto nada de ver quando uma Destaque-de-Chão desfila a querer evidenciar-se pessoalmente demonstrando uma competição com a(s) sua(s) companheira(s). Também não gosto por exemplo, de ver os componentes colocados à toa no desfile... 
O trabalho durante o desfile deverá ser em prol de um espectáculo que terá de ser apreciado como um todo. Cada pessoa terá o seu estilo próprio como é óbvio, mas terá de ter consciência de que o seu papel será representar uma parte desse espectáculo. Daí que eu insisti (não fui muito bem aceite ao princípio como é óbvio) que os componentes devem ser colocados onde eu acho (em conjunto com os coreógrafos) que podem acrescentar maior valor.

3º Equipa. Foi o maior desafio! Conseguir ter a capacidade de encontrar os talentos necessários para todos juntos, se construir um só caminho. E sim, eu acredito que num universo de mais de 150 pessoas, há sempre alguém que pode acrescentar valor nalguma área específica, e muitas das vezes essa própria pessoa nem sabe. É preciso potenciá-la.
E as pessoas que apareceram nestes últimos anos, fizeram um trabalho importantíssimo para o que a escola é hoje em dia. E a escola não poderá manter a sua qualidade sem essas pessoas, ou sem alguém similar a elas.

4º Ser auto-crítico. Deixei de me interessar por o que as outras escolas desenvolviam para me concentrar, com os meus, naquilo que nós tínhamos feito de mal para não voltar a repetir esse mesmo erro. E eu não falo daqueles detalhes que se podem resolver de um desfile para o outro. Falo de lacunas técnicas importantes para o desfile e que devem ser melhoradas durante o ano.
Por exemplo, sensações visuais, movimentos, enfim...

No fundo, o que mais mudou em mim foi isto mesmo... Do pouco que eu sabia ou do que eu pensava que sabia, ter crescido com a própria escola, pondo em prática as minhas ideias e convicções e conquistar o meu próprio espaço, respeitando sobretudo o emblema da escola. 
Passei de produzir muito com as mãos, a não produzir quase nada.


Nestes dois últimos anos um sonho que a escola de samba Vai Quem Quer tinha era juntar na feitura do Carnaval o Juan contigo. Como foi essa experiência ?

NS:
Não sei se era um sonho da escola. Foi sim um desejo pessoal nosso e que no devido momento foi concretizado.
A experiência foi precisamente de acordo com o que tantas vezes eu e o Juan já tínhamos conversado. Passámos a demorar mais tempo a criar o Carnaval porque as ideias multiplicaram-se, mas passámos a demorar menos tempo a concretizá-lo.
Hoje-em-dia e se eu pensasse num futuro, não me veria a fazer Carnaval para a VQQ sem ser com o Juan. Ele completa-me.


Sendo como dizes o teu ultimo ano como Carnavalesco da Escola quais os motivos para tal decisão que imagino não seja facil ?


NS:
Eu não vou dizer que este foi o meu último ano, porque "último" significa terminar e eu gosto demasiado disto para afirmar que foi o último. Vou parar sim. Vou parar durante o tempo que me apetecer e não é só na VQQ. Vou parar de fazer Carnaval. 
Poderei fazer alguma cabeça, ou algum adereço só para tirar a comichão dos dedos, mas não mais do que isso.
Estou farto!
Estou cansado... Não tenho mais paciência... 
Nem tenho tempo para poder dedicar-me da forma como me tenho dedicado nestes últimos anos. Esses são os principais motivos. 
E isto é dinâmico! Precisa de mudanças e de coisas novas!
Há por aí muitos talentos a despontar.
Eu quero ficar a apreciar as novas tendências.

Fica algum enredo que gostarias de ter desenvolvido na VQQ ?


NS:
Os enredos que eu apresento sempre me surgiram ao acaso.
E creio que só num ano é que houve algumas dúvidas se era aquilo ou não. E foi e ganhámos.
Individualmente e da minha parte, não fica nenhum enredo por desenvolver.
Fica sim "aquele" que eu e o Juan já teríamos em mente. Talvez fique em stand-by. Nunca saberemos.


Esse abandono de Carnavalesco na VQQ é apenas na VQQ ou ainda pensas fazer algum enredo em outra escola ?


NS:
Vou parar por completo! 


Qual o teu momento mais feliz no samba ?


NS:
Eu tenho dois momentos de extrema felicidade.
É quando a escola sai para a avenida e tu sabes que ela vai feliz.
E quando vês aquela explosão de alegria da tua escola quando tens a felicidade de ganhar.



E o menos feliz ?


NS:
O menos feliz foi este Carnaval...
Devido a vários motivos de extrema importância, falhei com os meus compromissos por ter abraço a feitura de dois Carnavais.
Falhei com os meus compromissos porque coisas que só dependiam de mim, eu não as concretizei como estavam projectadas e uma delas fez a VQQ ganhar menos pontos... Poderíamos ter ganho... Eu reconheço as minhas responsabilidades.
Para mim foi mais um ensinamento.


Quais as tuas influencias e quem mais admiras no mundo do samba ?


NS:
Se queres que te diga, sinceramente hoje-em-dia não me sinto influenciado por ninguém nem por nada em especial... Ao ponto de se perceber semelhanças em estilos... Sou Beija-Flor assumido, mas este ano torci pela Mangueira e aplaudi a sua vitória. Sou apreciador de arte... Gosto de ver uma coisa bem feita e surpreendente seja do Manel ou do Joaquim... 


Algum sonho de sambista por realizar ?


NS:
Completamente... Quero poder ter um dia o prazer de fazer o que o nosso amigo Jota fez por exemplo... Que inveja! 
E quero poder ter um dia o prazer de desfilar naquela avenida, nem que seja a empurrar uma alegoria.


Como vês o actual momento das escolas de samba a nivel de fantasias e adereços principalmente ?


NS:
As principais escolas, que serão as que se assumem como as querem mostrar qualidade, têm evoluído exponencialmente, apesar dos orçamentos serem cada vez mais reduzidos. Porém e na minha opinião pessoal, muitas delas cometem o erro de carregar as fantasias com adereços, plumas e LED e esquecem-se que por vezes, o pouco é muito e a beleza muita das vezes está nos pequenos detalhes e/ou na informação visual que se vai transmitir ao público, seja individualmente ou em conjunto.


Obrigado Nuno. Saudações sambistas