ENTREVISTA COM GUILHERME SALGUEIRO

PARA NÃO SER SÓ DEDICADO AOS NOVOS TALENTOS DO RITMO EM PORTUGAL AQUI VAI UMA EXCELENTE E MUITO ESCLARECEDORA ENTREVISTA COM UM DOS NOVOS TALENTOS DO RITMO NO RIO DE JANEIRO- O ACTUAL DIRECTOR DE TAMBORINS DO GRES VILA ISABEL: GUILHERME SALGUEIRO


Começo por lhe agradecer a disponibilidade para esta pequena conversa sobre samba.
- Nome ?
Guilherme Salgueiro
- Idade ?

28 anos

- Onde nasceu e onde vive actualmente ?

Nasci e moro em Vila Isabel, bairro que deu origem à escola de samba do mesmo nome.

- Como e quando, ou através de quem, você entrou para o mundo do samba?

Sempre gostei de samba, fico lembrando os desfiles de blocos na avenida principal daqui de Vila Isabel. Quando a bateria passava, eu me debruçava para ver e ouvir os ritmistas. Comecei a ensaiar em 1998. Um professor meu era ritmista e eu insisti para que ele me levasse para a Vila. Mas meu primeiro desfile foi só em 1999, não pela Vila, mas pela Acadêmicos do Sossego, escola do grupo B, até então.

- Nesses seus primeiros tempos tinha alguem como "idolo" ou alguem que lhe servisse como exemplo ?

Meu professor era meu espelho, eu sempre olhava para ele para copiar seus movimentos e entender a mecânica do tamborim. Mas ídolo no sentido grandioso da palavra eu nunca tive no mundo do samba.

- Qual o seu percurso como ritimista ?

Bom, como disse anteriormente, meu primeiro desfile foi na Sossego, em 1999, depois disso, ingressei na Estácio de Sá, Unidos da Tijuca, Vila Isabel e a partir daí comocei a abrir meu leque de possibilidades, já que o samba é um mundo que tem uma rede de contatos muito grande. Passei por Mangueira, Beija-Flor, São Clemente, Cabuçu, Lins Imperial, Arranco do Engenho de Dentro, Viradouro e por aí vai... Mas nunca deixando de desfilar na Vila.

- E quando você assumiu pela primeira vez o cargo de diretor de tamborins da Vila Isabel?

Em 2009, a pedido do Mestre Mug, eu dividi o cargo com o João, que vinha da Imperatriz. Eu sou músico e os ensaios são justamente no dia em que eu trabalho mais, sábado, por isso pedi para o João vir ao meu lado auxiliando o Mug e a mim. Ele é um excelente diretor, aprendi muito com ele.


- O que é para si estar como director nessa gloriosa escola de samba ?

É uma honra e uma responsabilidade enorme, pois a Vila é a minha escola e me pressiono muito. Sou extremamente autocrítico. Fora que já sou ritmista da casa há 12 anos e todos me conhecem como o ritmista, mas como diretor há de ser um pouco mais sério, cobrar mais dos ritmistas. É complicado.

- Em que mês começam os ensaios da bateria da Vila Isabel ?

Geralmente em junho, mas é relativo. Dependendo de quando começa o carnaval, iniciamos nossos ensaios ora em maio, ora em junho, ora em julho.

- Os ensaios tecnicos só da bateria são quantas vezes por semana ?

1 vez, depois, ao se aproximar o carnaval, ensaiamos 2 vezes por semana.

- Que tipo ou estilo de desenhos de tamborim mais gosta ?

Gosto de simplicidade, mas com efeito. Não tenho um padrão, eu acho, encaixo com a métrica do samba enredo. O desejo depende muito da ala que se tem, não se pode inventar e complicar se você não tem um naipe de ritmistas bom. E outra, na minha visão o ritmista tem que curtir o desfile, aproveitar, uma vez que ele só tem aquele momento, ele passou o ano inteiro se preparando para aquilo. Ele deve aproveitar. Assim como na música, o menos é mais, a pausa também conta, também é nota musical. Devemos respeitá-la.

- Espera pela eleição do samba de enredo campeão para fazer os desenhos ou já vai tendo alguns preparados para depois encaixar no samba eleito ?

Geralmente sim. Há algumas figuras que crio antes, uma subida, um pedaço de segunda (parte), mas no total, aguardo a escolha do samba.

- Qual a melhor ala de tamborins no Rio em sua opinião ? E em São Paulo ?

Tamborim hoje é uma ala rara de se encontrar, vemos muitos ritmistas que desfilam em muitas escolas. Gosto muito da ala da Tijuca, Mocidade, Portela. No Grupo A tem a Tuiuti, Viradouro. Em são Paulo, confesso que não estou inteirado sobre as escolas, mas gosto da Mocidade Alegre, X-9, Império de Casa Verde.

- Como tem analisado as justificativas dos jurados relativamente ás notas dadas á bateria da Vila ?

Algumas notas são contestáveis, até pelo fato de o mesmo jurado descontar ponto durante 2, 3 anos seguidos. Das duas uma: ou ele não gosta da escola, ou repetimos o erro reincidentemente. Outras notas servem como lição para que no ano seguinte aprimoremos nossos fundamentos. O jurado tem uma audição diferente da que nós temos, estamos no meio, dentro da bateria, e ele está em cima, ouve mais os detalhes que nos escapam.


- Que planos tem para futuro como director na bateria ?

Melhorar cada vez mais e fazer da ala de tamborins uma ala cada vez mais coesa, uma segunda família, na qual nos conheçamos pelo olhar. Não tenho grandes pretenções, a bateria da Vila já veio completa!

- Como vê o actual momento das baterias no Rio de Janeiro ?

Acho que há muitas paradinhas, bossas, convenções, diga como quiser, sem propósito, sem identificação com o samba enredo, são gratuitas, têm notas demais, parece uma prateleira de instrumentos caindo no chão. Parece que há uma competição para ver quem consegue fazer a bossa mais complicada. Por outro lado, há escolas que aprimoraram seu ritmo, sua cadência, mantendo a essência de uma bateria de escola de samba. Há novos mestres surgindo, em evidência, que são competentíssimos e que valorizam a cadência.

- Qual as principais diferenças entre as baterias do Rio e de S.Paulo ?

O ritmo, o Rio possui uma cadência que nenhuma outra escola do mundo terá. Aqui somos amigos, visitamos as escolas co-irmãs e somos bem recebidos. Já ouvi relatos de que em São Paulo não é bem assim, é mais parecido com o futebol, são rivais, não apenas adversários.


- Qual o tipo de paradinhas e bossas que mais aprecia ?

Gosto das paradinhas feitas pelo repique, de pergunta e resposta, gosto também das bossas que apresentam uma característica do enredo, ou uma levada afro, ou uma salsa, ou um funk. E gosto das paradinhas de impacto, quando os instrumentos silenciam ao mesmo tempo, como uma explosão!

- As paradinhas são mais para colocar nos refrões ou em outra parte do samba ?

No início era sempre antes do refrão de baixo, o chamado refrão principal, mas agora fazemos nos refrães, logo no início do samba, o que chamamos de cabeça do samba, e em outras partes. A criatividade é quem dá o tom, mas que seja de bom senso.

- O mais correcto é serem colocadas nos compassos ou nos desenhos melodicos ?

Não existe o mais correto, existe o bom senso, se ficar legal, ótimo, se não, não se coloca.


- Que acha das paradinhas longas que a maior parte das baterias esta adotando ?

Acho que prejudica outros quesitos, como harmonia, evolução, pois os desfilantes param de cantar o samba e evoluir para prestarem atenção na bossa. E uma bossa muito longa faz os integrantes da escola pararem por muito tempo, comprometendo o canto, a dança e o próprio samba enredo.

- E sobre o andamento das mesmas qual a sua opinião ?

Acho que tem melhorado, estamos voltando a um andamento gostoso de se tocar. Para onde estávamos indo não tinha mais jeito, não tinha mais como acelerar. É claro que o número de componentes aumentou e para que todos desfilassem em um certo tempo, foi necessário aumentar o andamento, mas seria como pegar uma valsa e aumentar o bpm (batidas por minuto) porque tem mais casais na pista de dança. Nossa essência é a cadência, o ritmos gostoso de se cantar um samba, de sambar. Acho que vamos voltar a ter andamentos mais lentos, respeitando a característica de cada escola.

- Actualmente qual é para si a melhor bateria do Rio de Janeiro ? E quais as razões para ter essa opinião ?

Não tenho a melhor, pois cada uma possui uma característica única, admiro e gosto muito da Unidos da Tijuca, Mocidade, União da Ilha, Mangueira, Portela e minha Vila Isabel.


- Da nova vaga de directores de bateria qual o que está mostrando melhor trabalho e até surpreendendo mais ?

Sou suspeito para falar, pois tenho hoje em minha bateria um diretor novo, com sangue da dinastia Amaral, que é Vila Isabel e que mescla a tradição do ritmo da locomotiva do samba, como a criatividade e ousadia da juventude, que é o Mestre Wallan Amaral. Outros mestres como o Thiago Diogo (Porto da Pedra), Marcão (Salgueiro), Chuvisco (Estácio de Sá) são mais do que promessas, já são realidade no mundo do samba. Não só na bateria, mas na escola em si, como a nova safra de intérpretes, como Igor Sorriso (São Clemente), Leandro Santos (Estácio), são gratas revelações.

- Tem algum conhecimento do trabalho ao nivel de samba que é feito na Europa e mais em particular Portugal ?

Em Portugal conheço pouco, tenho mais conhecimento do que é feito na Inglaterra, Alemanha, Áustria, França, pois todo ano pessoas desses países vêm fazer um intercâmbio e levar às suas escolas o que de mais novo temos aqui no Rio. Mas gostaria muito de conhecer mais, assim como estar presente nessas escolas e difundir nosso samba em Portugal.


- Deixe um recado aos sambistas em geral e em particular aos de Portugal.

Samba é uma filosofia de vida, é um sentimento, é mais do que os quatro dias de desfile. Muito mais coisas acontecem para que durante os oitenta e dois minutos aconteçam mágicas, sorrisos, lágrimas e suor. O samba é capaz de contar histórias, mudar vidas, de unir pessoas, de diminuir diferenças, de fazer a dor passar por pelo menos alguns momentos. Seja como ritmista, como passista, compositor, diretor de harmonia, ou desfilante de ala, respeite, ame, viva o samba.

Um grande abraço e obrigado pela oportunidade de expressar meus poucos anos de experiência dentro desse mundo.

Guilherme Salgueiro.