
Desde já o meu muito obrigado pela disponibilidade para esta pequena conversa.
1- Como foi o inicio destas andanças pelo samba ? Fala um pouco da história dos primeiros passos do samba na Figueira da Foz .
O ritmo do Samba esteve sempre presente desde a minha infância. O meu pai fazia parte de um conjunto musical e assisti a muitos ensaios onde ouvia samba, marcha, bossa-nova e chorinho. A partir de determinada altura (1975...) passei a ouvir outro tipo de música que até então era de difícil acesso, preferindo algumas das várias correntes (géneros) de Jazz, onde se destacavam diversos músicos brasileiros, em especial Milton Nascimento e Airto Moreira (este, considerado na época o melhor percussionista de todos). Daí até pegar em instrumentos de percussão passaram-se bastantes anos.
Mas abrindo aqui “um parenteses” para o Carnaval de Buarcos, porque foi em Buarcos que teve origem e não na Figueira, nunca é demais lembrar que durante muitos anos por altura do Carnaval, uns quantos foliões se mascaravam e percorriam em grupo algumas das ruas da vila. Entretanto esse hábito foi diminuindo de participantes e para compensar a falta de animação, surgiu a célebre “sacada d’água” (inicialmente com farinha à mistura) que terminava em autênticas batalhas campais entre grupos, tudo num ambiente de pura diversão. Muita gente ia até Buarcos para ver a agitação, pelo que no decorrer dos anos seguintes foi ganhando adeptos. O entusiasmo era tal que os ânimos acabaram por subir de tom, gerando algumas situações nada agradáveis. A “sacada d’água” tinha os dias contados. Muitos dos adeptos (eu, inclusive) acabaram por criar e se integrar em vários grupos cujo número ia aumentando todos os anos. Esta transição, julgo que ocorreu por volta de 1970.
Os grupos iam criando os seus próprios temas e o desfile de Carnaval começou a ganhar forma de ano para ano. A partir de 1979 passei a fazer parte do grupo da “Maria do Puto”, uma senhora que criava e realizava as fantasias. Se fosse hoje, teria um lugar de destaque como carnavalesca.
Já então se executava muita fantasia original e passados uns 4 anos pela primeira vez foi utilizada a “milagrosa” cola quente. Foi um momento histórico, ficou tudo fascinado! E eu fiquei com um fole em cada dedo. Enfim... Aqueles pequenos episódios que nunca mais esquecemos.
2- Qual o teu trajecto como sambista ?
Em 1993 com um grupo de amigos tentámos fazer um som parecido com Samba. Depois do grupo dos “Marrriates” (com 3 R’s, note-se), criámos em 1995 a primeira E*S (Escola de Samba), a “Escola de Samba de Buarcos” (E.S.B.), já com uma estrutura definida, destacando-se dos tradicionais grupos. Mais tarde em 2001 a E.S.B. reestrutura-se e é denomidada “A Rainha”.
Este nome não surge ao acaso. Qualquer nome similar brasileiro seria uma opção fácil e vulgar e nada melhor do que um nome que nos dissesse algo: A praia da Figueira, que durante longos anos foi apelidada como “A Rainha” das praias de Portugal. Adoptámos as cores azul e amarelo, representativas da freguesia de Buarcos.
Pouco a pouco fui adquirindo conhecimentos. Comecei por tocar caixa, mas a minha tendência natural era inquestionável: Surdo de Resposta (ou “Contra”). Actualmente executo “Marcação”. No entanto é na Cuíca que gostaria de ficar. Reconheço que tenho ainda muito a aprender mas o pouco que toco, juro que não é a “fazer de conta”. É um instrumento fascinante. Tenho consciência que em termos de desfile de avenida e da forma como o fazemos, com apenas uma a sua aplicação é desajustada. Para resultar deveriam existir pelo menos duas, mas amplificadas.
Relativamente aos Sambas que executei nos Corsos, durante anos limitávamo-nos a escutar Sambas vindos das E*S do Rio de Janeiro e com algum “engenho” fazíamos adaptações o melhor que conseguíamos, sem retirar dignidade ao Samba. Sempre considerei que este procedimento seria uma forma de podermos aprender e evoluir para que um dia mais tarde criássemos os nossos originais. Apesar de algumas críticas, sinto que foi inevitável.
Para 2011 tenho a certeza que será criado o nosso 7º tema original, graças ao fantástico trabalho da “prata da casa” isto é, Nuno Gomes na composição e Paulo Ferreira nos arranjos da Bateria.
3- Que funções tens desempenhado na Rainha ?
Comecei em 2001 na gestão financeira, ainda não estávamos legalizados como associação. De seguida foi criada uma comissão (chamemos-lhe assim...) que iniciou um processo com a eleição de Corpos Sociais de forma provisória. Os princípios, objectivos e o espírito com que “A Rainha” iniciava um novo capítulo na história da sua existência, estavam definidos. Dessa eleição resultou que alguns elementos se afastassem, felizmente, pois os seus objectivos seriam para se servirem da associação em vez de a servir. Acabaram por sair mas deixaram a “sua marca” lesando financeiramente A Rainha.
Durante os dois mandatos seguintes entre 2002 e 2006 tive o cargo de presidente. Recentemente terminei o mandato 2008-2010 como tesoureiro.
Foi graças às equipas que os 2 mandatos a que presidi, tiveram sucesso. Sinto-me previlegiado por ter tido a oportunidade de ter estado ao lado de pessoas fantásticas que delas fizeram parte. E o mesmo se aplica neste mandato que findou.
Actualmente apenas colaboro com a Direcção recém eleita, o que entendo ser um voto de confiança que me atribuem pois os seus elementos são pessoas íntegras que entendem o que é a amizade e o respeito mútuo.
4- Como analisas o Carnaval actual da Figueira da Foz ?
Quando “A Rainha” surgiu no panorama do Carnaval de Buarcos, o objectivo era o enriquecimento do corso, por forma a incentivar o público a afluir à Figueira no Carnaval, um período do ano considerado “baixo”. Seria um complemento aos grupos organizados já existentes.
A Rainha orgulha-se de ter dado várias ideias e sugerido alterações que vieram melhorar o Carnaval em Buarcos que actualmente se faz.
Presentemente, com o aparecimento de outras duas E*S o corso poderá estar mais rico mas existe o risco de se tornar demasiado “abrasileirado”, o que poderá descaracterizar o evento. Mas o problema está no enfraquecimento ou mesmo na ausência dos grupos. Não nas E*S.
Apesar de alguns críticos locais acharem que o Município deveria restrigir ainda mais as verbas para o Carnaval destinadas aos grupos e E*S, o facto é que este evento anual é provavelmente o único a ter retorno financeiro.
5 - Foi bom para a Figueira o aparecimento de mais 2 escolas de samba depois
da Rainha ?
Não era de esperar que ao logo dos anos surgissem mais 2 E*S sem que os restantes grupos organizados aumentassem em qualidade e em quantidade. Pena que tenha sido assim.
O surgimento de 2 E*S poderia ser melhor para Figueira se fossem seguidos alguns critérios de exigência para elevar ainda mais a qualidade do corso.
Não me irei pronunciar sobre esses critérios e de como as E*S (e os grupos) os cumprem. Tenho uma opinião bem definida que por certo não agradará a todos. Quando a principal entidade organizadora (FGT) perfere ignorar esses critérios, quem sou eu para me pronunciar...
6- Seria benéfico haver concurso na Figueira como já existe na maior parte dos carnavais em Portugal ? (Presumo que a pergunta seja relativa às E*S as quais não são contempladas no concurso existente...)
Perante o cenário actual, não. E passo a citar a minha opinião, deixando claro que este é o meu ponto de vista:
Primeiro, não reconheço quem esteja habilitado para classificar uma E*S. Dizem (dizem...) que se a ideia for em frente, será criado um juri composto por um elemento de cada grupo e de cada E*S.
Se for assim, poderemos imaginar o “desastre” que será o resultado final...
Segundo, não existe um bom relacionamento entre as escolas e isso poderá dar origem a diversas atitudes que de nada irão dignificar o Carnaval e o Samba.
Por último – considero o mais pretinente - pela experiência tida em anos anteriores como grupo que entrou a concurso, as classificações apenas criam divisões, mal entendidos e desmotivam as pessoas que se envolvem directa ou indirectamente. Isso verificou-se no passado com os grupos de Carnaval e mais recentemente com as Marchas Populares do S. João (é outro “território”, mas resultou no mesmo...)
Sendo um dos fundadores d’A Rainha, não me agrada voltar a ver os mesmos erros. Se estivesse nas minhas mãos o poder da decisão, A Rainha não iria nunca alinhar em concursos. E caso pretendessem sujeitá-la a uma classificação, o prémio seria recusado logo à partida.
Seria preferível que a entidade que organiza e financia os projectos verificasse se as verbas atribuídas são bem geridas e aplicadas correctamente.
É tudo uma questão de princípio: O que fazemos é para nos divertirmos. Não para sermos classificados. Existimos há 15 anos e não deixámos de evoluir por não haver concurso. Este tipo de classificações, títulos, prémios, etc. é bom para quem gosta e quer ter protagonismo.
7- Como são vistas e encaradas as rivalidades existentes entre as escolas da Figueira ?
(A rivalidade é um “pau de dois bicos”: a ela é inerente a competitividade e também a inveja, dependendo da desigualdade ou igualdade de meios e circunstâncias).
Não tenho uma opinião formada sobre isso. Por um lado não tenho escutado como os elementos das E*S (inclusive A Rainha) se sentem relativamente às outras escolas. Por outro lado, tenho uma postura diferente porque acho ser uma perda de tempo. Prefiro gastar o pouco que tenho a fazer qualquer coisa de útil. Talvez por pensar assim, nunca senti rivalidade (e não sou o único). Apenas gosto de fazer o meu melhor e sentir orgulho em participar e realizar, sem olhar o que as outras escolas pensam. Talvez seja também porque a estrutura d’A Rainha é diferente, o espírito é diferente. Nós porque temos uma sede, temos obrigações e compromissos a cumprir. Por isso sofremos dificuldades acrescidas de tal forma que a rivalidade deixa de ter cabimento. As preocupações são outras.
8- Que alterações e melhorias desejavas que acontecessem no Carnaval da Figueira ?
Gostava que a entidade organizadora exigisse dos grupos e das E*S mais empenho. Existe muita falta de qualidade nas fantasias. Há quem utilize materiais completamente desgastados, vindos de outros carnavais - é bom que se reutilize, mas sem perder qualidade. Há fantasias em cujos tecidos, no lugar de agulha e linha são utilizados agrafos e cola.
Por outro lado deveria dar atenção a quem dá o seu melhor, com mais apoio financeiro ou de outro nível (logistico, etc.). E se a entidade municipal não pode avançar com mais verba, as empresas locais bem que poderiam dar uma ajuda. Mas infelizmente estamos numa cidade que é “madrasta” (no pior sentido) relativamente a apoios, seja qual fôr a sua natureza.
Os projectos deveriam ser obrigatórios tanto para as E*S como para os grupos e deveriam ser o mais aproximado possível ao que se apresenta no papel.
Por outro lado, o Carnaval em Buarcos deveria ser mais dinamizado e não se cingir apenas ao Domingo e à Terça-Feira. Deveriam ser criados eventos que promovessem o Carnaval antes do principal evento, inclusive aproveitando ao máximo o fim-de-semana que o antecede.
9- Quais as maiores dificuldades sentidas pela tua escola de samba ou em geral pelas escolas da Figueira ?
Desconheço o que se passa com as outras E*S. A Rainha tem um problema de peso e os seus elementos esforçam-se imenso para conseguirem evitar o pior. Refiro-me ao facto de termos alugado um edifício para podermos desenvolver trabalho e tornar-mo-nos independentes e mais organizados.
Uma sede que nos custa caro e lutamos arduamente para conseguir mantê-la. Apelar à consciência dos associados para que entendam o esforço que é feito, é algo que não pode parar. Para que A Rainha possa crescer, os sócios têm de ser muito mais participativos. Por vezes os sócios esquecem-se que a sede é para usufruto de todos, não apenas para quem está a dirigir.
Um outro problema que enfrentamos é que a faixa etária que compõe A Rainha não é tão jovem como gostaríamos que fosse. E a juventude é fundamental para que a escola progrida.
10- Que projectos e ambições futuras para a Rainha ?
Encontrar forma de chamar a juventude deverá ser uma das prioridades. Espero que em breve surjam alguns incentivos para que os sócios sintam que são tratados como tal e que vale a pena pertencer à Rainha.
A maior ambição a que A Rainha se dispõe a enfrentar é a aquisição de sede própria. Há muitos anos que tentamos sensibilizar as entidades locais para as nossas dificuldades demonstrando tudo o que até aqui temos conseguido. Infelizmente não nos entendem e colocam-nos “na prateleira” sem nos darem alternativas e continuam a comparar-nos como se de “mais um grupo” se tratasse. Existimos há 15 anos e os exemplos daquilo que somos capazes, estão à vista. Que mais será necessário provar?
11- Momentos mais felizes
no samba ?
Muitos:
A exibição na discoteca Karma em Rio Maior (com Nuno Graciano em 2002, acho...), onde fomos tratados como “realezas” (não fossemos nós A Rainha).
O ano do “Circo”, 2003 em que saímos com uma alegria redobrada, após algumas pessoas desajustadas ao espírito d’A Rainha se terem afastado.
A inauguração da remodelação da sede (2005), onde gastámos bastante dinheiro com as obras e trabalhámos dias a fio, mas foi um grande motivo de orgulho.
O 1º Samba original (2004) que não foi o melhor mas foi o 1º, criado por elementos d’A Rainha (Nuno Gomes e Eduardo). Outro grande motivo de orgulho que infelizmente passou despercebido aos olhos da comunicação social local.
A representação do Carnaval de 2008 no programa da RTP1.
A exibição no Casino Figueira em 2007. http://www.youtube.com/watch?v=nEJiOgjN_J4
E além de outros, todos os anos é um prazer desfilar na avenida!
12- E os momentos menos agradáveis , mais tristes ?
Momentos ou episódios tristes, são para esquecer. Mas entristece-me o facto de alguns elementos terem tido atitudes lamentáveis para com A Rainha e para com alguns dos seus sócios. Alguns acharam que as Direcções mereciam ser “castigadas” e afastaram-se, ingressaram até noutras E*S substimando os anos de apendizagem n’A Rainha, com total ingratidão.
Outros fizeram o mesmo porque não aceitaram críticas sobre uma gestão menos cuidada. A Rainha mesmo tendo sido deixada numa situação financeira debilitada, não foi tão grave assim. As dificuldades foram superadas. O pior foi a parte humana que foi lesada, com a divisão e o desinteresse de muitos sócios que se afastaram.
A associação não pode ser desprezada ou mal tratada, como forma de vingança. Não fiquei nem estou revoltado ou zangado. Apenas triste e principalmente porque não estava à espera com a atitude de certos elementos.
13- Como correu o Carnaval este ano ?
No que nos diz respeito, em termos de qualidade, fomos obrigados a uma certa contenção e não podémos subir o nível tanto quanto pretendíamos. Mas pelo menos foi mais tranquila que no ano anterior, porque recuperámos algumas situações deficitárias em organização e finanças.
Relativamente ao corso, além o episódio do nosso carro de som que parou em pleno desfile o que causou algum “stress”, a Terça-Feira foi desastrosa devido à chuva que caiu. Tivémos um prejuízo avultado e não nos vai ser possível recuperar nem penas e plumas, nem fantasias. A verba atribuída este anos foi de tal modo baixa que não deu para as despesas e muito menos para repôr parte do que se estragou.
Tirando isto, tudo correu com muita alegria e animação. Quem desfilou n’A Rainha divertiu-se (o que é fácil) e conseguiu divertir o público (o que já não é tão fácil).
14- Como vês a evolução das escolas de samba em Portugal?
Contrariamente ao que foi dito há uns 5 anos atrás por alguém, tanto na parte da bateria como nas fantasias. é infindável o que se pode criar. As E*S em Portugal para evoluirem devem apostar na criatividade para serem originais e terem a sua imagem personalizada.
Já se observa a estagnação em algumas E*S. Há quem pense que já sabe tudo e de que tudo já está feito, dedicando-se apenas a fazer”retalhos” do que se cria no outro lado do oceano, ou mesmo a copiar. Não posso antever como as E*S irão evoluir, mas sei que será errado se seguirem este caminho.
Um sinal de evolução é sem sombra de dúvida o facto da escola proporcionar a criatividade, incentivando os seus elementos a criarem o seu próprio Samba Enredo diversificando-o todos os anos, ter o seu próprio carnavalesco, etc. por forma a que tenham uma identidade e características únicas.
A escolha diversificada dos temas é um excelente exercício para a criatividade. Serão de louvar os que tiverem a coragem de desenvolverem o tema sobre personagens portugueses ou áreas que refiram feitos e factos da cultura portuguesa passada ou presente.
15- Para ti quais as escolas que mais tem evoluido em Portugal no geral de todos os quesitos?
Não sei o que possa dizer sobre “evolução” porque desconheço completamente o histórico de cada E*S. A qual cuja bateria sempre me fascinou foi e é a Charanguinha. Acho que estão e sempre estiveram “na linha da frente”.
Relativamente à organização e à realização de fantasias, teria de deslocar-me a vários locais para me inteirar da realidade. Quase sempre o que vemos de longe e através de imagens, não tem rigor. E o que muitas das vezes ouvimos dizer... Pode não ser bem assim. Não quero correr o risco de fazer um juízo errado.
16- A nivel nacional que mudanças ou evoluções gostarias de ver acontecer para melhorar o nivel das escolas de samba?
(Julgo que respondi numa pergunta anterior. 14, acho)
17- Concordas com os moldes em que é realizado e disputado ( quesitos que estão a concurso ) o Encontro Nacional em Estarreja?
Caro Guerreio, como já deves ter percebido a minha opinião sobre concursos não é a melhor. Tanto quanto quanto sei, pelo que me tem sido revelado, o Encontro em Estarreja é mais um motivo para que continue a pensar da mesma forma.
É preciso ter cautela com situações que facilitam e proporcionam o benefício de uns em deterimento de outros. São atitudes pouco dignificantes. Elas acontecem antes, durante e depois. E sobre isso muito mais haveria para dizer. Mas cada um que tire as suas próprias conclusões.
Como já referi anteriormente, seria bom que as E*S em Portugal criassem características próprias para que nós pudéssemos distigui-las, bastando ouvir o som da sua bateria ou ao olhar para as suas fantasias. E depois juntar todas as E*S para conviverem, mostrar trabalho e trocar ideias. Não para competir. A competição, no caso das E*S portuguesas que são tão poucas, só deixará sentimentos de injustiça.
O ritmo do Samba esteve sempre presente desde a minha infância. O meu pai fazia parte de um conjunto musical e assisti a muitos ensaios onde ouvia samba, marcha, bossa-nova e chorinho. A partir de determinada altura (1975...) passei a ouvir outro tipo de música que até então era de difícil acesso, preferindo algumas das várias correntes (géneros) de Jazz, onde se destacavam diversos músicos brasileiros, em especial Milton Nascimento e Airto Moreira (este, considerado na época o melhor percussionista de todos). Daí até pegar em instrumentos de percussão passaram-se bastantes anos.
Mas abrindo aqui “um parenteses” para o Carnaval de Buarcos, porque foi em Buarcos que teve origem e não na Figueira, nunca é demais lembrar que durante muitos anos por altura do Carnaval, uns quantos foliões se mascaravam e percorriam em grupo algumas das ruas da vila. Entretanto esse hábito foi diminuindo de participantes e para compensar a falta de animação, surgiu a célebre “sacada d’água” (inicialmente com farinha à mistura) que terminava em autênticas batalhas campais entre grupos, tudo num ambiente de pura diversão. Muita gente ia até Buarcos para ver a agitação, pelo que no decorrer dos anos seguintes foi ganhando adeptos. O entusiasmo era tal que os ânimos acabaram por subir de tom, gerando algumas situações nada agradáveis. A “sacada d’água” tinha os dias contados. Muitos dos adeptos (eu, inclusive) acabaram por criar e se integrar em vários grupos cujo número ia aumentando todos os anos. Esta transição, julgo que ocorreu por volta de 1970.
Os grupos iam criando os seus próprios temas e o desfile de Carnaval começou a ganhar forma de ano para ano. A partir de 1979 passei a fazer parte do grupo da “Maria do Puto”, uma senhora que criava e realizava as fantasias. Se fosse hoje, teria um lugar de destaque como carnavalesca.
Já então se executava muita fantasia original e passados uns 4 anos pela primeira vez foi utilizada a “milagrosa” cola quente. Foi um momento histórico, ficou tudo fascinado! E eu fiquei com um fole em cada dedo. Enfim... Aqueles pequenos episódios que nunca mais esquecemos.
2- Qual o teu trajecto como sambista ?
Em 1993 com um grupo de amigos tentámos fazer um som parecido com Samba. Depois do grupo dos “Marrriates” (com 3 R’s, note-se), criámos em 1995 a primeira E*S (Escola de Samba), a “Escola de Samba de Buarcos” (E.S.B.), já com uma estrutura definida, destacando-se dos tradicionais grupos. Mais tarde em 2001 a E.S.B. reestrutura-se e é denomidada “A Rainha”.
Este nome não surge ao acaso. Qualquer nome similar brasileiro seria uma opção fácil e vulgar e nada melhor do que um nome que nos dissesse algo: A praia da Figueira, que durante longos anos foi apelidada como “A Rainha” das praias de Portugal. Adoptámos as cores azul e amarelo, representativas da freguesia de Buarcos.
Pouco a pouco fui adquirindo conhecimentos. Comecei por tocar caixa, mas a minha tendência natural era inquestionável: Surdo de Resposta (ou “Contra”). Actualmente executo “Marcação”. No entanto é na Cuíca que gostaria de ficar. Reconheço que tenho ainda muito a aprender mas o pouco que toco, juro que não é a “fazer de conta”. É um instrumento fascinante. Tenho consciência que em termos de desfile de avenida e da forma como o fazemos, com apenas uma a sua aplicação é desajustada. Para resultar deveriam existir pelo menos duas, mas amplificadas.
Relativamente aos Sambas que executei nos Corsos, durante anos limitávamo-nos a escutar Sambas vindos das E*S do Rio de Janeiro e com algum “engenho” fazíamos adaptações o melhor que conseguíamos, sem retirar dignidade ao Samba. Sempre considerei que este procedimento seria uma forma de podermos aprender e evoluir para que um dia mais tarde criássemos os nossos originais. Apesar de algumas críticas, sinto que foi inevitável.
Para 2011 tenho a certeza que será criado o nosso 7º tema original, graças ao fantástico trabalho da “prata da casa” isto é, Nuno Gomes na composição e Paulo Ferreira nos arranjos da Bateria.
3- Que funções tens desempenhado na Rainha ?
Comecei em 2001 na gestão financeira, ainda não estávamos legalizados como associação. De seguida foi criada uma comissão (chamemos-lhe assim...) que iniciou um processo com a eleição de Corpos Sociais de forma provisória. Os princípios, objectivos e o espírito com que “A Rainha” iniciava um novo capítulo na história da sua existência, estavam definidos. Dessa eleição resultou que alguns elementos se afastassem, felizmente, pois os seus objectivos seriam para se servirem da associação em vez de a servir. Acabaram por sair mas deixaram a “sua marca” lesando financeiramente A Rainha.
Durante os dois mandatos seguintes entre 2002 e 2006 tive o cargo de presidente. Recentemente terminei o mandato 2008-2010 como tesoureiro.
Foi graças às equipas que os 2 mandatos a que presidi, tiveram sucesso. Sinto-me previlegiado por ter tido a oportunidade de ter estado ao lado de pessoas fantásticas que delas fizeram parte. E o mesmo se aplica neste mandato que findou.
Actualmente apenas colaboro com a Direcção recém eleita, o que entendo ser um voto de confiança que me atribuem pois os seus elementos são pessoas íntegras que entendem o que é a amizade e o respeito mútuo.
4- Como analisas o Carnaval actual da Figueira da Foz ?
Quando “A Rainha” surgiu no panorama do Carnaval de Buarcos, o objectivo era o enriquecimento do corso, por forma a incentivar o público a afluir à Figueira no Carnaval, um período do ano considerado “baixo”. Seria um complemento aos grupos organizados já existentes.
A Rainha orgulha-se de ter dado várias ideias e sugerido alterações que vieram melhorar o Carnaval em Buarcos que actualmente se faz.
Presentemente, com o aparecimento de outras duas E*S o corso poderá estar mais rico mas existe o risco de se tornar demasiado “abrasileirado”, o que poderá descaracterizar o evento. Mas o problema está no enfraquecimento ou mesmo na ausência dos grupos. Não nas E*S.
Apesar de alguns críticos locais acharem que o Município deveria restrigir ainda mais as verbas para o Carnaval destinadas aos grupos e E*S, o facto é que este evento anual é provavelmente o único a ter retorno financeiro.
5 - Foi bom para a Figueira o aparecimento de mais 2 escolas de samba depois
da Rainha ?
Não era de esperar que ao logo dos anos surgissem mais 2 E*S sem que os restantes grupos organizados aumentassem em qualidade e em quantidade. Pena que tenha sido assim.
O surgimento de 2 E*S poderia ser melhor para Figueira se fossem seguidos alguns critérios de exigência para elevar ainda mais a qualidade do corso.
Não me irei pronunciar sobre esses critérios e de como as E*S (e os grupos) os cumprem. Tenho uma opinião bem definida que por certo não agradará a todos. Quando a principal entidade organizadora (FGT) perfere ignorar esses critérios, quem sou eu para me pronunciar...
6- Seria benéfico haver concurso na Figueira como já existe na maior parte dos carnavais em Portugal ? (Presumo que a pergunta seja relativa às E*S as quais não são contempladas no concurso existente...)
Perante o cenário actual, não. E passo a citar a minha opinião, deixando claro que este é o meu ponto de vista:
Primeiro, não reconheço quem esteja habilitado para classificar uma E*S. Dizem (dizem...) que se a ideia for em frente, será criado um juri composto por um elemento de cada grupo e de cada E*S.
Se for assim, poderemos imaginar o “desastre” que será o resultado final...
Segundo, não existe um bom relacionamento entre as escolas e isso poderá dar origem a diversas atitudes que de nada irão dignificar o Carnaval e o Samba.
Por último – considero o mais pretinente - pela experiência tida em anos anteriores como grupo que entrou a concurso, as classificações apenas criam divisões, mal entendidos e desmotivam as pessoas que se envolvem directa ou indirectamente. Isso verificou-se no passado com os grupos de Carnaval e mais recentemente com as Marchas Populares do S. João (é outro “território”, mas resultou no mesmo...)
Sendo um dos fundadores d’A Rainha, não me agrada voltar a ver os mesmos erros. Se estivesse nas minhas mãos o poder da decisão, A Rainha não iria nunca alinhar em concursos. E caso pretendessem sujeitá-la a uma classificação, o prémio seria recusado logo à partida.
Seria preferível que a entidade que organiza e financia os projectos verificasse se as verbas atribuídas são bem geridas e aplicadas correctamente.
É tudo uma questão de princípio: O que fazemos é para nos divertirmos. Não para sermos classificados. Existimos há 15 anos e não deixámos de evoluir por não haver concurso. Este tipo de classificações, títulos, prémios, etc. é bom para quem gosta e quer ter protagonismo.
7- Como são vistas e encaradas as rivalidades existentes entre as escolas da Figueira ?
(A rivalidade é um “pau de dois bicos”: a ela é inerente a competitividade e também a inveja, dependendo da desigualdade ou igualdade de meios e circunstâncias).
Não tenho uma opinião formada sobre isso. Por um lado não tenho escutado como os elementos das E*S (inclusive A Rainha) se sentem relativamente às outras escolas. Por outro lado, tenho uma postura diferente porque acho ser uma perda de tempo. Prefiro gastar o pouco que tenho a fazer qualquer coisa de útil. Talvez por pensar assim, nunca senti rivalidade (e não sou o único). Apenas gosto de fazer o meu melhor e sentir orgulho em participar e realizar, sem olhar o que as outras escolas pensam. Talvez seja também porque a estrutura d’A Rainha é diferente, o espírito é diferente. Nós porque temos uma sede, temos obrigações e compromissos a cumprir. Por isso sofremos dificuldades acrescidas de tal forma que a rivalidade deixa de ter cabimento. As preocupações são outras.
8- Que alterações e melhorias desejavas que acontecessem no Carnaval da Figueira ?
Gostava que a entidade organizadora exigisse dos grupos e das E*S mais empenho. Existe muita falta de qualidade nas fantasias. Há quem utilize materiais completamente desgastados, vindos de outros carnavais - é bom que se reutilize, mas sem perder qualidade. Há fantasias em cujos tecidos, no lugar de agulha e linha são utilizados agrafos e cola.
Por outro lado deveria dar atenção a quem dá o seu melhor, com mais apoio financeiro ou de outro nível (logistico, etc.). E se a entidade municipal não pode avançar com mais verba, as empresas locais bem que poderiam dar uma ajuda. Mas infelizmente estamos numa cidade que é “madrasta” (no pior sentido) relativamente a apoios, seja qual fôr a sua natureza.
Os projectos deveriam ser obrigatórios tanto para as E*S como para os grupos e deveriam ser o mais aproximado possível ao que se apresenta no papel.
Por outro lado, o Carnaval em Buarcos deveria ser mais dinamizado e não se cingir apenas ao Domingo e à Terça-Feira. Deveriam ser criados eventos que promovessem o Carnaval antes do principal evento, inclusive aproveitando ao máximo o fim-de-semana que o antecede.
9- Quais as maiores dificuldades sentidas pela tua escola de samba ou em geral pelas escolas da Figueira ?
Desconheço o que se passa com as outras E*S. A Rainha tem um problema de peso e os seus elementos esforçam-se imenso para conseguirem evitar o pior. Refiro-me ao facto de termos alugado um edifício para podermos desenvolver trabalho e tornar-mo-nos independentes e mais organizados.
Uma sede que nos custa caro e lutamos arduamente para conseguir mantê-la. Apelar à consciência dos associados para que entendam o esforço que é feito, é algo que não pode parar. Para que A Rainha possa crescer, os sócios têm de ser muito mais participativos. Por vezes os sócios esquecem-se que a sede é para usufruto de todos, não apenas para quem está a dirigir.
Um outro problema que enfrentamos é que a faixa etária que compõe A Rainha não é tão jovem como gostaríamos que fosse. E a juventude é fundamental para que a escola progrida.
10- Que projectos e ambições futuras para a Rainha ?
Encontrar forma de chamar a juventude deverá ser uma das prioridades. Espero que em breve surjam alguns incentivos para que os sócios sintam que são tratados como tal e que vale a pena pertencer à Rainha.
A maior ambição a que A Rainha se dispõe a enfrentar é a aquisição de sede própria. Há muitos anos que tentamos sensibilizar as entidades locais para as nossas dificuldades demonstrando tudo o que até aqui temos conseguido. Infelizmente não nos entendem e colocam-nos “na prateleira” sem nos darem alternativas e continuam a comparar-nos como se de “mais um grupo” se tratasse. Existimos há 15 anos e os exemplos daquilo que somos capazes, estão à vista. Que mais será necessário provar?
11- Momentos mais felizes

Muitos:
A exibição na discoteca Karma em Rio Maior (com Nuno Graciano em 2002, acho...), onde fomos tratados como “realezas” (não fossemos nós A Rainha).
O ano do “Circo”, 2003 em que saímos com uma alegria redobrada, após algumas pessoas desajustadas ao espírito d’A Rainha se terem afastado.
A inauguração da remodelação da sede (2005), onde gastámos bastante dinheiro com as obras e trabalhámos dias a fio, mas foi um grande motivo de orgulho.
O 1º Samba original (2004) que não foi o melhor mas foi o 1º, criado por elementos d’A Rainha (Nuno Gomes e Eduardo). Outro grande motivo de orgulho que infelizmente passou despercebido aos olhos da comunicação social local.
A representação do Carnaval de 2008 no programa da RTP1.
A exibição no Casino Figueira em 2007. http://www.youtube.com/watch?v=nEJiOgjN_J4
E além de outros, todos os anos é um prazer desfilar na avenida!
12- E os momentos menos agradáveis , mais tristes ?
Momentos ou episódios tristes, são para esquecer. Mas entristece-me o facto de alguns elementos terem tido atitudes lamentáveis para com A Rainha e para com alguns dos seus sócios. Alguns acharam que as Direcções mereciam ser “castigadas” e afastaram-se, ingressaram até noutras E*S substimando os anos de apendizagem n’A Rainha, com total ingratidão.
Outros fizeram o mesmo porque não aceitaram críticas sobre uma gestão menos cuidada. A Rainha mesmo tendo sido deixada numa situação financeira debilitada, não foi tão grave assim. As dificuldades foram superadas. O pior foi a parte humana que foi lesada, com a divisão e o desinteresse de muitos sócios que se afastaram.
A associação não pode ser desprezada ou mal tratada, como forma de vingança. Não fiquei nem estou revoltado ou zangado. Apenas triste e principalmente porque não estava à espera com a atitude de certos elementos.
13- Como correu o Carnaval este ano ?
No que nos diz respeito, em termos de qualidade, fomos obrigados a uma certa contenção e não podémos subir o nível tanto quanto pretendíamos. Mas pelo menos foi mais tranquila que no ano anterior, porque recuperámos algumas situações deficitárias em organização e finanças.
Relativamente ao corso, além o episódio do nosso carro de som que parou em pleno desfile o que causou algum “stress”, a Terça-Feira foi desastrosa devido à chuva que caiu. Tivémos um prejuízo avultado e não nos vai ser possível recuperar nem penas e plumas, nem fantasias. A verba atribuída este anos foi de tal modo baixa que não deu para as despesas e muito menos para repôr parte do que se estragou.
Tirando isto, tudo correu com muita alegria e animação. Quem desfilou n’A Rainha divertiu-se (o que é fácil) e conseguiu divertir o público (o que já não é tão fácil).
14- Como vês a evolução das escolas de samba em Portugal?
Contrariamente ao que foi dito há uns 5 anos atrás por alguém, tanto na parte da bateria como nas fantasias. é infindável o que se pode criar. As E*S em Portugal para evoluirem devem apostar na criatividade para serem originais e terem a sua imagem personalizada.
Já se observa a estagnação em algumas E*S. Há quem pense que já sabe tudo e de que tudo já está feito, dedicando-se apenas a fazer”retalhos” do que se cria no outro lado do oceano, ou mesmo a copiar. Não posso antever como as E*S irão evoluir, mas sei que será errado se seguirem este caminho.
Um sinal de evolução é sem sombra de dúvida o facto da escola proporcionar a criatividade, incentivando os seus elementos a criarem o seu próprio Samba Enredo diversificando-o todos os anos, ter o seu próprio carnavalesco, etc. por forma a que tenham uma identidade e características únicas.
A escolha diversificada dos temas é um excelente exercício para a criatividade. Serão de louvar os que tiverem a coragem de desenvolverem o tema sobre personagens portugueses ou áreas que refiram feitos e factos da cultura portuguesa passada ou presente.
15- Para ti quais as escolas que mais tem evoluido em Portugal no geral de todos os quesitos?
Não sei o que possa dizer sobre “evolução” porque desconheço completamente o histórico de cada E*S. A qual cuja bateria sempre me fascinou foi e é a Charanguinha. Acho que estão e sempre estiveram “na linha da frente”.
Relativamente à organização e à realização de fantasias, teria de deslocar-me a vários locais para me inteirar da realidade. Quase sempre o que vemos de longe e através de imagens, não tem rigor. E o que muitas das vezes ouvimos dizer... Pode não ser bem assim. Não quero correr o risco de fazer um juízo errado.
16- A nivel nacional que mudanças ou evoluções gostarias de ver acontecer para melhorar o nivel das escolas de samba?
(Julgo que respondi numa pergunta anterior. 14, acho)
17- Concordas com os moldes em que é realizado e disputado ( quesitos que estão a concurso ) o Encontro Nacional em Estarreja?
Caro Guerreio, como já deves ter percebido a minha opinião sobre concursos não é a melhor. Tanto quanto quanto sei, pelo que me tem sido revelado, o Encontro em Estarreja é mais um motivo para que continue a pensar da mesma forma.
É preciso ter cautela com situações que facilitam e proporcionam o benefício de uns em deterimento de outros. São atitudes pouco dignificantes. Elas acontecem antes, durante e depois. E sobre isso muito mais haveria para dizer. Mas cada um que tire as suas próprias conclusões.
Como já referi anteriormente, seria bom que as E*S em Portugal criassem características próprias para que nós pudéssemos distigui-las, bastando ouvir o som da sua bateria ou ao olhar para as suas fantasias. E depois juntar todas as E*S para conviverem, mostrar trabalho e trocar ideias. Não para competir. A competição, no caso das E*S portuguesas que são tão poucas, só deixará sentimentos de injustiça.
OBRIGADO E MUITAS FELICIDADES COMPANHEIRO.
Um abraço e obrigado
Silo.