ENTREVISTA COM PAULO MACEDO



ENTREVISTA COM UM DOS MAIORES BALUARTES DO SAMBA EM PORTUGAL E PARICULARMENTE DO CARNAVAL DE SESIMBRA- O CARNAVALESCO PAULO MACEDO.




Obrigado pela tua disponibilidade para esta pequena conversa sobre samba




Bem, antes de mais quero pedir-te desculpa pela demora na entrevista e felicitar-te Guerreiro, pois ainda não tinha tido a oportunidade de o fazer, pelo excelente meio de comunicação em que o teu blog se tornou: neste momento, é o mais bem frequentado "point do samba na net em Portugal".
Penso que tem ajudado, em muito, no reencontro das Escolas de Samba Nacionais e numa maior clarificação dos seus objectivos e determinações futuras.
Nem sempre faz despertar as melhores e mais esperadas reacções aos "posts" e comentários, mas não se pode agradar a "gregos e a troianos" ao mesmo tempo. É, sem dúvida, uma luz para um caminho de maior abertura e diálogo entre a comunidade Sambista Portuguesa.
Bom trabalho!

-Como começou a paixão pelo samba e em particular pelas escolas de samba?

Bem, desde muito novo que a minha avó materna me "expôs" ao frenesim do Carnaval.

Ela, foliona que era na década de 80, tinha sempre a casa cheia de grupos de pessoas, ligadas ou não, às escolas de samba da altura, e que lhe pediam para fazer fantasias. Isso contribuiu, também em muito, para o meu deslumbramento pelo Carnaval de Sesimbra.

Também sou filho de puros foliões e amantes de Carnaval que, desde muito cedo, me habituaram à festa.

Os meus pais tinham muitos amigos emigrantes no Brasil que, na altura traziam as revistas Manchete, com as reportagens das imagens do Carnaval do Rio e que me enchiam os olhos e povoavam a minha imaginação de um dia poder ver o Maior Espectáculo da Terra, ao vivo.

Na década de 80, os desfiles de Escolas de Samba de Sesimbra passavam pela Cândido dos Reis, rua onde ainda moro, e eu simplesmente delirava com toda aquela beleza e nova experiência pronta a ser vivida.

Todos estes factores foram contribuindo para a minha formação e construção da minha personalidade artística, que era inata, mas que nunca teve "palco" e oportunidade para se revelar.


-Qual o teu trajecto como sambista?


É longo e inesquecível.

Eu tinha uma paixão pelo Ginga no Pandeiro desde o inicio da década de 80, pois era a escola de samba em Sesimbra que mais se identificava com a Beija-flor de Joãozinho Trinta, que eu idolatrava na altura!

Mas, por essa época, as escolas de samba em Sesimbra eram um pouco elitistas: os grupos de amigos que as constituíam eram muito fechados e por vezes, só entrávamos numa escola de samba se fizéssemos parte de um desses grupos...ora, nenhum dos meus amigos fazia parte de nenhuma delas!

E eu, numa noite, enchi-me de coragem e bati à porta da sede do Ginga no Pandeiro, pois queria fazer parte da escola e, sem que imaginasse, estava a assistir à reunião que iria pôr fim ao Ginga no Pandeiro...

Entretanto, o Bota no Rêgo ficou com a sede do Ginga no Pandeiro e eu entrei para a Escola em 1986, responsável por acaso, pelas fantasias da Ala de escravos egípcios, num enredo produzido pelo estilista David Rescácio e a partir daí nunca mais parei...

Produzi o meu primeiro enredo - O Ouro Inca Faz Brilhar a Minha Vida, que nunca "vingou" no Bota no Rêgo.

Em 1989 senti-me seduzido pela força que o GRES Trepa no Coqueiro tinha, na altura, e pelo espírito de revolução estrutural e cultural que estava e ser testado e introduzido na escola e entrei, por convite de uma amiga, como Mestre-Sala e ela como Porta-Bandeira.

Entretanto, conheci Reinaldo Nunes que tentava incutir, na época, uma nova dinâmica de escola de samba. Recém-chegado do Rio, Reinaldo Nunes deu uma guinada de 360º no Trepa no Coqueiro e isso contribuiu, em muito, para a minha formação como sambista e carnavalesco.

Desde aí, foi um sem parar de grandes experiências e emoções vividas ao rubro.

Passei pelas antigas Pérolas do Samba, a actual Dá que Falar, num dos momentos mais felizes da Escola e fui convidado a desenvolver um enredo para os Sambinhas no Horizonte, onde acabei por ficar 3 anos.

Entretanto, voltei ao Bota no Rêgo e fiz um enredo sobre o 20º aniversário da Escola. No ano seguinte, decidi passar o Carnaval no Rio, mas deixei pronto um enredo revolucionário para a escola e para Sesimbra, naquela altura, foi uma "piada" sobre o que era Portugal em 97: "Mas Que Pais É Este!". Penso que foi um grande desfile, pois o impacto foi tremendo e a opinião geral foi muito positiva.

Esse enredo veio de uma corrente de enredos contestatários e interventivos, que eu vivi no GRES Trepa no Coqueiro e devido à admiração que sempre tive por Joãozinho Trinta.

No ano seguinte os Saltaricos do Castelo convidaram-me para fazer um enredo sobre "A Ecologia", experiência que não correu muito bem, talvez devido ao deslumbramento que sentia pelo samba, naquela altura da minha vida, e por querer fazer tudo ao mesmo tempo (...)!

Voltei ao Trepa no Coqueiro como Carnavalesco e fiz um Enredo sobre o Marquês de Pombal e o Terramoto de 1755: foi uma grande aventura!

Aconteceu como uma lufada de ar "fresquíssimo" para a Escola. Fiquei o ano seguinte e tive o enorme prazer de festejar os 25 anos do Trepa no Coqueiro com "O Trepa É Uma Festa Na Avenida". Foi um carnaval difícil, pois a escola estava a tentar ultrapassar alguns problemas internos.

Foi um desfile único, mas eu saí da Escola logo em seguida.

Desde aí nunca mais parei...

Com 38 anos, passei quase metade da minha vida em Carnaval: são 23 anos de dedicação ao Carnaval de Sesimbra. Devo grande parte às Escolas de Samba e ao Carnaval de Sesimbra. Elas deram-me a notoriedade que tenho hoje, deixando-me actuar e, penso que projectei também um pouco da minha vida profissional, através das Escolas de Samba de Sesimbra.


-Mais particularmente quando começaste a ter o gosto e vontade de te dedicares a fazer desenhos de fantasias para Carnaval como ideias e pesquisas de enredos?


Sem dúvida nenhuma, a partir do momento em que entrei para o Trepa no Coqueiro, aquando da primeira passagem de Reinaldo Nunes pela Escola, à qual eu chamo de "Era Dourada".

Desde então, comecei a entender o fenómeno da Escola de Samba no seu todo. Embora já tivesse feito alguns croquis e ensaios para enredos no Bota no Rêgo, o Trepa no Coqueiro, nessa altura, foi a minha grande "Escola do Samba".

E tive essa grande oportunidade em 1991 quando produzi no Trepa no Coqueiro, em parceria com Diamantino Palmeirim, um enredo sobre o Património Arquitectónico Português, que deu lugar ao samba que ficou eternizado em Sesimbra e um pouco por todo os recantos do samba do nosso país: "Quando o povo transforma a pedra em tanta beleza..." .

Foi um enredo antológico sobre o que fomos, o que éramos e o que criámos e para onde íamos. Tornou-se imortal e tenho muito orgulho, assim com o Diamantino deve ter, de termos recriado essa grande história artística que foi a nossa!

Foi um enredo que introduziu mudança e renovação no Carnaval de Sesimbra.

Ter o prazer de criar um espectáculo de rua como a Escola de Samba, despertar grandes emoções e senti-las à flor da pele, é único!

Tornar um pedaço da nossa história numa festa de Carnaval é uma grande responsabilidade. Ao mesmo tempo, conseguir arrancar aplausos e emoções do público que nos assiste, é o maior sentido de dever cumprido para com a nossa terra e para com o nosso povo.


-Em que ano tiveste a responsabilidade de ser carnavalesco de uma escola de samba (e em que escola foi? ) ?


Em 1991, sem dúvida! No GRES Trepa no Coqueiro foi um trabalho a tempo inteiro, no enredo sobre a nossa Herança Arquitectónica e Cultural que, desde então, se degradava aos nossos olhos; satirizámos os políticos e os milhentos institutos que nada faziam e ainda nada fazem (...) para o manter e preservar.

Mas, soube-me a pouco, logo a seguir ao Carnaval saí da Escola.

Nesse ano, o mau tempo também ensombrou o desfile das Escolas de Samba e fê-lo ser cancelado. Foi um Carnaval muito turbulento...

Ao mesmo tempo, foi um Carnaval de grande contestação em Sesimbra, pois as Escolas de Samba decidiram não desfilar e o Trepa no Coqueiro, tendo participado nessa decisão conjunta, não a acatou, pois os seus componentes quiseram desfilar, mesmo debaixo de chuva, pelo que, tivemos nesse Carnaval, quase todas as Escolas de Samba de Sesimbra a formarem uma barreira para impedir que o Trepa no Coqueiro desfilasse. Foi um quadro que não quero ver mais a acontecer em Sesimbra.

Esse Carnaval vai marcar o meu percurso até ao fim!

Nem todas as vaias, humilhações e aclamações que sofri até hoje irão apagar esse dia:)!

A partir desse ano, percebi que Escola de Samba é mais do que uma fantasia luxuosa! É o samba que vale, é o seu conjunto que faz a diferença.

Que importa ter bonitas fantasias, se o samba não "toca" os seus componentes?

De que vale um bom enredo, se os seus componentes não "vestem" a história?

Escola de Samba é, para mim, mais do que isso: tem de haver envolvimento total de corpo e alma.


-Como encaras-te esse desafio?


De início não foi nada fácil, mas eu tinha uma grande determinação e coragem, em fazer com que aquela história resultasse. O Diamantino ajudou-me muito, na altura, pois eu era um estranho como Carnavalesco na Escola e houve algumas resistências e consequentemente algumas adulterações aos croquis das fantasias, situação da qual eu não gostei e no ano seguinte saí da Escola.

Mas eu tinha, entretanto, 3 anos de experiências na Bota no Rêgo como figurinista, acumulados com mais 2 anos de vivências de Trepa no Coqueiro, onde tinha colaborado com o João Gatinho, carnavalesco na altura, e com o Diamantino como Chefe de Ala. O meu estilo nada tinha a ver com o da Escola, naquele momento. O começo foi difícil mas o desenvolvimento foi muito bom.

Mas o Trepa de 1991 nada teve a ver com os dois anos anteriores: respirava-se renovação e inovação com a tão desejada legalização. O GRES Trepa no Coqueiro foi a Primeira Escola de Samba legalizada em Portugal e fazer parte disso foi muito bom mesmo.

A Direcção da Escola tinha um compromisso para com os seus componentes, mudar a rumo do GRES Trepa no Coqueiro para sempre e conseguiu-o e eu sinto-me um privilegiado de ter vivido essa mudança, porque ela influenciou e motivou um novo rumo no Carnaval de Sesimbra.

Foram tempos muito importantes para todos nós não só a nível estético mas como estrutural, foi fundamental essa reviravolta para que o futuro da Escola e do Carnaval de Sesimbra estivesse minimamente garantido.


-Que rescaldo fazes desse teu primeiro ano como carnavalesco?


Extremamente importante, extremamente! Foi o ponto de partida para tudo.

O ano de 1991 deu-me a experiência necessária para que a partir daí pudesse enfrentar tudo e todos os desafios.

Introduzimos algumas inovações no desfile da escola, novos materiais que já tinham sido experimentado antes, conseguindo outros efeitos e com melhores acabamentos.

Foram criados visuais alternativos, com recurso a materiais mais baratos alternados com cordas e bases rústicas e com acabamentos mais luxuosos para realçar o efeito luxo/lixo que estava muito em voga na altura.

Mas lamentavelmente, 1991 foi o meu último carnaval na Escola, o enredo sobre o Património Arquitectónico abalou de tal forma as estruturas da Escola que quase deitou abaixo o meu sonho de continuar no Carnaval de Sesimbra.

Foi muito intenso...marcou-me mesmo!


-Qual o teu estilo preferido a nível de fantasias e adereços para uma escola de samba?


Eu gosto de luxo quando é necessário ao enredo, extravaso no acabamento e no detalhe dos destaques sempre que posso.

Adoro inovar nas formas e rebuscar o design alternativo das fantasias, quem me conhece e trabalha ou já trabalhou comigo sabe que cada vez que crio um Carnaval não fecho um croqui sem que seja realmente o que pretendo, daí levar tanto tempo por vezes a produzir um enredo.

Uma boa fantasia tem de ter uma excelente estrutura, para ser funcional e prática.

Abandonei o luxo extremo nas alas na segunda metade da década de 90 pois penso que temos de "suavizar" o custo das fantasias á Escola e ao bolso dos componentes e concentrá-lo nos "altares" dos Carros alegóricos para atrair a atenção do público.

Esta minha estética meio "barroca", foi-se definindo cada vez mais ao longo do meu percurso, para as Alas prefiro fantasias que facilitem a diversão e a melhor leitura do enredo para os carros e para os destaques beleza e muita arte.

Acho que componentes felizes e contentes sem fantasias que incomodem, cantam melhor o samba e a harmonia e o conjunto acontecem, destaques vistosos e bem elaborados fazem os seus integrantes "vestir" ainda mais intensamente a fantasia e viver o personagem, interpretando melhor o enredo.

Mas acho que o ponto alto dessa estética foi em 1997 com o enredo "Mas Que Pais é Este?" na Bota no Rêgo, tenho a certeza que foi um grande Show á altura do nosso Carnaval.

Aconteceram fantasias de destaque feitas de rede metálica de galinheiro incrustadas com pedrarias, alas de operários que reivindicavam melhores condições salariais num Pais dividido pela Regionalização, era uma República perdida num passado monárquico.

Foi lindo, fiquei muito orgulhoso daquele trabalho.



-Tens algum Carnavalesco que admires e até te sirva como modelo?


Sem dúvida alguma, Joãozinho Trinta.

"Ratos e Urubus" foi a minha grande fonte de inspiração, sempre influenciou a minha forma de fazer e pensar Carnaval em Escola de Samba.

Assim que regressei do Rio de Janeiro em 1997 tive a consciência de que era o caminho correcto a seguir, nesse ano as escolas de Samba do Rio já estavam a "guinar" as suas estéticas á moda luxo e lixo, já então Joãozinho Trinta havia criado no enredo "Brasil Ano 2000" na Viradouro as alegorias humanas e anteriormente na Beija-flor de 1989 no carro do "Ball Masque dos Mendigos".

Ele mistura cor, arte e formas numa policromia que só ele sabe fazer, é uma loucura que nos leva ao delírio.

Joãozinho Trinta é sempre actual, as novas estéticas utilizadas são recriações das dele num Carnaval do Rio mais verticalizado e mediático.

Conheci-o pessoalmente na Quadra da Viradouro no camarote presidencial, quando a Escola de Niterói ganhou com o carnaval do funk, a minha querida Dona Zica foi dar-lhe os parabéns e levou-me com ela porque sabia que eu o adorava conhecer, foi intenso, muito intenso.

Sou fã também do high-tech e perfeccionismo do Renato Lage mas não gosto da escolha de enredos que ele faz, aprecio o detalhe do Roberto Szaniecki e a ousadia do Paulo Barros e do Milton Cunha este último, diverte-me muito com as suas escolhas.


-Nos ultimos anos tens feito alguns carnavais em simultaneo em varias escolas. É facil conciliar varios projectos ao mesmo tempo?


Não, não é nada fácil!

Eu gosto de acompanhar tudo desde a criação á concepção e cheguei á conclusão de que é impossível estar em dois locais ao mesmo tempo se não estruturar o tempo e o trabalho da melhor forma.

Nos últimos 5 anos tenho vindo a tentar aperfeiçoar essa "ginástica" da melhor maneira, este Carnaval com o Capricho da Abrigada correu muito bem mesmo, ainda deu para dar uma mãozinha ao Leandro Martins do GRES Trepa no Coqueiro e ainda tive tempo para fazer uns protótipos para Sines e produzir o GREMIOFOLIA.

Sem stresses e sem demoras.

O tempo faz a perfeição (...)


-Este ano apenas como Carnavalesco do GRES Abrigada que perspectivas tiveste para o Carnaval 2010 e que esperaste do teu enredo (Da Antiguidade á Modernidade ) ?


É o género de Enredo que eu gosto de fazer: Antes, Agora e Depois... o resultado foi muito bom, foi mais uma grande aposta na evolução estética que promovo na Escola durante estes últimos anos.

O desfile em Loulé neste Carnaval foi impactante, houve inicialmente na fase da produção alguma...hesitação em algumas fantasias mas penso que até a Abrigada ficou admiradíssima com o resultado final de algumas concepções.

Foi excelente! A Abrigada apresentou-se este Carnaval em Loulé, de forma irrepreensível.

Penso também que foi o Carnaval em que a Abrigada levou quase 200 pessoas para Loulé, houve uma grande adesão daquela comunidade.

Ao longo destes quase 4 anos de colaboração com o Capricho da Abrigada penso que consegui mudar alguns convencionalismos instituídos na Escola, reduzi por exemplo: o tamanho das tangas das passistas (…) e ousei no design das fantasias de alas assim como incrementei o gosto pelo detalhe e melhor acabamento das mesmas.

Tivemos uma Abrigada colorida, renovada, cheia de fulgor e de força para continuar por muitos mais anos.

É sempre um grande prazer trabalhar com a Abrigada pois sempre me trataram muito bem e sempre fui muito bem recebido naquela comunidade de sambistas.

Um grande abraço para o Capricho da Abrigada.


-Com o teu trabalho tem havido grande evolução na qualidade apresentada pela Abrigada a nivel de fantasias. Como tem sido esse trabalho na escola ?


Sim, acredito que tem sido um trabalho ao longo destes quase 5 anos onde temos conseguido como já disse, ultrapassar certas barreiras que impediam a Abrigada de se "modernizar" a nível estético e plástico ao nível das suas co-irmãs nacionais.

Há muito tempo que eu já tinha manifestado interesse em colaborar com a Abrigada, o interesse foi comum e recíproco e desde então temos conseguido grandes feitos estéticos numa Abrigada que se quer ainda mais moderna e actualizada.

Penso que a Abrigada está muito contente e feliz com o que conquistou e conseguiu realizar.

Além da questão financeira que é sempre atraente é claro, em Carnaval e em Escola de Samba não há dinheiro nenhum que pague o gosto e o amor pela arte do Samba e pela dedicação que se põe em cada lantejoula que se prega ou nas horas que se perde na produção de uma fantasia de Porta-bandeira, por exemplo.

Tem de ser gostar muito do que se faz mesmo, senão não resulta e não funciona.


-Qual o teu momento mais feliz no samba ?


No dia em que consegui juntar pela primeira vez ao fim de tantos e tantos anos, Escolas de Samba e Grupos á mesma mesa para discutirmos de forma clara e concisa o seu futuro e do Carnaval de Sesimbra.

Foi muito importante conseguir como Dirigente de uma Associação, que todos assinassem uma Acta em que nos comprometíamos com as nossas Associações e Associados a lutar por aquele ideal e por aquela realização.

Foi dos dias mais importantes da minha vida.


-Qual o mais triste... o menos feliz?


Quando 7 meses depois, a um mês do Carnaval de 2009 numa reunião com a Vereação da Cultura e todas as Associações intervenientes, fomos "aconselhados" a desistir da ideia de realizar o Desfile das Escolas de Samba na tão ambicionada Avenida da Liberdade em Sesimbra.

Naquela reunião fomos "ultimados" pela maioria dos vereadores camarários a desistir da ideia de desfilar num local que para nós sempre foi perfeito e ideal para o evento.

Depois de tanto trabalho, de tantas noites perdidas e de tantas discussões saudáveis, o processo de criação da Associação de Carnaval de Sesimbra tinha sido interrompido e "morto á nascença" por quem nós nunca imaginaríamos, os políticos que 7 meses antes nos tinham apoiado e dado toda a força para continuar.

Nessa noite achei que não já não valia a pena continuar mais...


-Que ambicionas e quais as tuas metas como carnavalesco dentro do panorama do samba em Portugal?


Já não ambiciono muito Guerreiro, tudo o que queria fazer eu já fiz em escola de Samba.

Já fui Mestre-Sala, já fui passista, sou Carnavalesco, fui Destaque, Director Artístico e Presidente...

Já percorri o caminho que tinha de percorrer e já fui ao "Olimpo do Samba na Mangueira".

Agora a única meta é garantir é que o futuro de toda uma nova geração sambista fique assegurado, essa é por agora a minha grande preocupação criar e deixar estruturas para que nunca acabe.

Este é um legado que tem de ficar e perdurar por muitas e muitas mais décadas, é a própria identificação cultural de uma vila e de um povo que não passa sem Carnaval e sem Escola de Samba.

Um dos projectos que estou a elaborar com calma há pelo menos 3 anos, com alguns empresários do concelho é a criação do Museu do Carnaval de Sesimbra, já conto com o apoio de alguns "antepassados" do nosso Carnaval neste momento procuramos mais apoios e um local que seja "o local".

É necessário perpetuar esta História de arte e entrega, Sesimbra tem uma longa história de puro amor ao seu Carnaval e às Escolas de Samba.


-Como tem visto a evolução das Escolas de Samba no Carnaval de Sesimbra ?


Não tem sido um processo fácil para a grande maioria das Associações, pois essa evolução não é crescente tem muitos retrocessos e não é qualitativa por vezes.

Penso que tem a ver um pouco com a realidade interna de cada uma das Associações e a sua postura face ao Samba e ao fenómeno Escola de Samba, que muda e que se altera em função dos Dirigentes.

Algumas associações conseguem tornar o conceito Escola de Samba uma grande realidade mas para isso são necessários grandes riscos e sacrifícios, outras nem sequer querem saber! Não investem na manutenção dessas conquistas e simplesmente interrompem os processos.

A nível plástico, estético e musical sem dúvida nenhuma que estamos bem á frente do nosso tempo.

Sesimbra está bem á frente na criação, produção e individualidade de cada fantasia e sambas de enredo.

Os nossos carnavalescos e compositores pensam por si, criam e executam as suas propostas de forma diferente do resto do País.

Alguns Carnavalescos vêm-se destacando, existe uma nova vaga de criadores de carnaval que têm espantado tudo e todos, Leandro Martins, Pedro Loures, Fernando Sebastião e Marta Andrade são a garantia de que tem tudo para continuar!

Agora, com esta nova vaga de artistas é claro cada um no seu estilo e capacidades, eles estão a garantir outras saídas para as Escolas de Samba de Sesimbra e sem dúvida a dignificar a qualidade do nosso Carnaval e isso é muito animador para o futuro da nossa Festa.


-E a evolução das escolas de samba em Portugal, principalmente a nível de trabalho de Carnavalescos?


Tem sido avassaladora! Nunca em tão pouco tempo apareceram tantas Escolas de Samba no País com tanta qualidade!

O Norte, por incrível que pareça, é neste momento a grande fábrica de novas Escolas com um nível bastante elevado.

Fico muito contente com este novo boom no samba nacional, que vem cada vez mais reforçar e justificar, que o Movimento está para durar e durar...

Tenho reparado também que a qualidade plástica de algumas deixa a desejar… mas a grande maioria está num patamar muito á frente da sua experiência de campo.

Os seus carnavalescos e figurinistas, sem dúvida que estão num excelente caminho, tenho visto bons enredos com muito bons desenvolvimentos e resoluções, mas ao mesmo tempo vejo muito "copy-paste" em alguns criadores e esse é um caminho a evitar.

O tempo que se perde a "importar" uma fantasia, investe-se na investigação e experimentação de novos efeitos e aplicação de novos materiais, esse sim é o caminho!

È a procura de uma identificação criativa que os novos carnavalescos das Escolas de Samba Nacionais têm de explorar e investir cada vez mais, para que o seu trabalho e assinaturas sejam cada vez mais próprios.


-Que gostarias de ver acontecer no samba em Portugal e mais particularmente no Carnaval de Sesimbra ?


Tenho sempre dito que Portugal é o maior exemplo do Mundo de dedicação á causa do Samba e do Movimento das Escolas de Samba fora da realidade brasileira, mas, lamentavelmente não é um exemplo de organização massiva!

É essa coragem que todas as agremiações do País têm que ter, a de esquecer diferenças e distâncias e avançar para a tão esperada União das Escolas de Samba Portuguesas. É necessário desenvolver estruturas em conjunto, definir metas e caminhos a seguir para que se consiga uniformizar o modelo de Escola de Samba á realidade portuguesa e ao mesmo tempo criar iguais oportunidades para novos projectos que vêem sempre surgindo.

Penso que esta "guerra entre o Norte e Sul" é uma perfeita perda de tempo pois estamos a despender tempo precioso num medir de forças que não nos vai levar a lado algum.

Alguém tem de ter essa coragem!

Como por exemplo, promover um Encontro Nacional de Escolas de Samba durante dois dias, num sábado e num domingo, onde se sentassem á mesma mesa Escolas de Samba de todo o Pais, num local neutro para todos, e se discutissem assuntos reais e se definissem metas sérias.

Depois num domingo, uma grande feijoada á brasileira ou churrasco á portuguesa com a união de todos na MAIOR BATERIA DE ESCOLA DE SAMBA EM PORTUGAL, todos unidos por um único ideal, o Samba, era fantástica! Isso iria atrair todos os media nacionais para este evento único e ao mesmo tempo reconhecimento da comunidade sambista internacional.

Quanto ao Carnaval de Sesimbra, temos de prosseguir o caminho já percorrido com a criação da Associação de Carnaval,

A mesma coragem, tem que Sesimbra ter em fazer avançar o projecto da Associação de Carnaval urgentemente, Autarquia, Escolas e Grupos devem rapidamente ajudar a fazer crescer "aceleradamente" esta grande oportunidade de mudar o rumo do Carnaval de Sesimbra para sempre.

Para que o Maior Espectáculo desta terra tenha uma vida mais longa.

Obrigado e muitas felicidades companheiro
Obrigado por tudo e felicidades para todos.