ENTREVISTA COM RICARDO ALVES ( CHORA )




- Como e quando foi o teu começo no samba ?

Antes de mais queria dar um abraço a todos aqueles que lutam pelo samba em Portugal e os parabéns em especial por todas estas entrevistas, que são a meu ver indispensáveis como meio de conhecimento deste nosso “mundo” sambista Português, se assim se puder chamar.

Entrei na Escola de Samba Bota no Rego (Sesimbra) em 1994, os meus colegas de turma eram na sua grande maioria da Bateria do Bota e depois de muitas perguntas e depois de tentar entender o funcionamento da própria escola de samba, lá fui me inscrever. Já tinha aprendido em casa a tocar o tamborim (trazido pelo meu pai do Brasil) e depois de ter ouvido centenas de vezes cd´s de samba-enredo do Rio tomei coragem e fui me apresentar ao Mestre Miguel, então director de bateria e até hoje amigo e companheiro destas andanças na escola.

- Em que ano assumiste a direção da bateria do Gres Bota no Rego?

Foi no carnaval de 1999 salvo erro, por isso comecei a dirigir os ensaios ainda em 1998 há 11 anos.

- Como te sentiste com essa responsabilidade mas ao mesmo tempo certamente grande orgulho ?

Foi uma passagem de testemunho normal, partiu mais do Mestre Miguel, ele é que incentivou a mudança devido ao cansaço e falta de tempo, e progressivamente essa passagem de funções foi se efectuando com o conhecimento de todos e com grande naturalidade, respeito e aceitação dos meus colegas de Bateria, mas a mudança era para mim e para o Hugo Andrade (nosso Presidente ahaha). Iríamos dirigir em conjunto a direcção de bateria, mas o Hugo nunca ligou muito a isso (ainda bem pois deu um percussionista com uma capacidade técnica e de aprendizagem muito acima da média, toca tudo) e ele queria era tocar e vai daí eu tentei sempre mais sentir a responsabilidade e inteirar-me do que realmente era preciso fazer para ser um bom director. O orgulho vamo-nos apercebendo ao longo dos anos, penso que é um cargo que ninguém se apercebe da responsabilidade e do peso que tem, não falo só da bateria mas sim do nome Bota no Rego, principalmente aqui em Sesimbra, mas como é óbvio hoje em dia tento transmitir isso mesmo aos mais novos, dando a conhecer a história da escola e a responsabilidade e o respeito que se deve ter ao envergar a nossa camisola (com todo o respeito para com todas as outras).

- Que alterações fizeste e que linha procuraste seguir para com essa bateria ?

Para dizer a verdade ao longo dos anos fomos cometendo por falta de informação e formação nossa, erros nas formações desequilibradas da bateria, na distribuição de elementos por naipes, nas afinações e mesmo no aperfeiçoamento técnico de muitos instrumentos ao longo dos anos. O primeiro passo foi aperfeiçoar a técnica em todos os instrumento, mas todos mesmo, com o mesmo gosto e dando a mesma importância a todos eles. Agora olho para traz e percebo que foi uma fase dura de aprendizagem (que ainda continua ), uma fase que passou pelas primeiras montagens de peles e feitura de aros de madeira para cuica e surdo também (tudo á mão), desmontagem de instrumentos para entender a sua montagem e afinação, feitura de baquetes para todos os instrumentos (á mão, inclusive retirando madeira das árvores, entender que tipo de materiais são apropriados, etc..

Comecei por introduzir malacachetas na bateria (em Sesimbra ainda se usava tarolas e ainda em alguns casos se usa), a montagem de peles naturais em vez das sintécticas nos surdos, agora já muitas baterias seguem esta tendência, a criação de uma ala de cuícas que embora não estivesse totalmente extinta, não tinha os elementos necessários conseguindo desfilar com 9 elementos (hoje em dia são 7) graças ao empenho do amigo e companheiro Paulo Soromenho (Mané Paulo), fazer discursos próprios para a ala dos chocalhos nos samba-enredo ao contrário de outros anos em que tocavam durante todo o desfile (coitados ahah), a introdução dos agô-gôs de 4 com um discurso próprio no samba embora fosse o primeiro ano de todos os 4 elementos foi uma surpresa saudada por todos e nunca vista aqui na vila, amplificamos uma lira este ano para o desfile parecido com um xilofone e não é que a portela tambem levou uma ala com 10 deles, etc.



- Quais são para ti as principais qualidades que uma bateria deve ter ?

Eu vejo uma bateria até pela formação cívica e social dos seus integrantes por isso…não vou só quantificar as qualidades que acho principais pois para mim seriam muitas, vou apenas designar algumas que me salta á vista quando ouço uma bateria, passaria pela sustentação do andamento, uma marcação bem definida não muito rápida (gosto pessoal) e o equilíbrio entre alas, ousadia na apresentação de paradinhas, convenções entre naipes, a intensidade que cada integrante dispensa a nível técnico no seu instrumento, disciplina, afinações (muito importante), entre muitas.

- Tens alguma personagem do samba que admires e que tenhas como "inspirador ".... "idolo " ?

Cartola (para mim o maior), não só pela obra mas pela sua postura na vida e no samba, e todos aqueles que de uma maneira ou de outra me ajudaram e ajudam e não pedem nada em troca. Há muita gente que aprende tudo sozinho é impressionante, nunca viram nada, ouviram nada, perguntaram nada e nunca leram nada, são os chamados “galácticos” do samba ahahahah, dá vontade de rir a falta de humildade, enfim

- Momentos mais felizes no samba até hoje ?

As minhas duas viagens ao Rio de Janeiro, foram uma experiência do outro mundo, falar com Dona Zica e estar na casa do Cartola, andar onde muitos que admiro andaram, cheirar o samba naquela cidade é impressionante, mas há muitos mais. Podia dizer que foi aquele ou o outro carnaval, o vice-campeonato em Estarreja (2008), o desfile na expo (2000); não sou muito de mostrar sentimentos ou reacções, mas há muitos momentos em que me sinto feliz pelo nosso trabalho, principalmente quando toda a escola está envolvida.

Á também o aspecto que me deixa bastante contente é quando visito uma escola de samba onde entro como um estranho e saiu com um monte de amigos, isso é o que o samba sinceramente significa para mim, união.

Tanto aqui, como em Penafirme, Sacavém, Mealhada, Ovar, Estarreja, Figueira, Brasil…

- E os momentos mais dificies ?

Sempre que alguém do Bota ou familiar de alguém da escola falece, sente-se que algo na “família” não está como deveria de estar, mesmo que por vezes não tenhamos tido muita ligação com a mesma.

Mas o samba é feito de vitórias e derrotas a cada actuação ou desfile, é mesmo assim.

- Paralelamente também começaste a compor os sambas para o Gres Bota no Rego.

Como começou acontendo essa faceta ?

Comecei como todos a compor quadras e rimas e quando soube que se poderia concorrer, concorri e fiquei em 2ª (1999) com a ajuda do Franklim no cavaco. Daí até hoje continuo a concorrer e já tive 8 vitórias, 3 ou 4 segundos lugares pois por vezes concorro com dois sambas e um 3ºlugar. Destas vitórias tenha a agradecer a co-autoria em 2006 da Marta Andrade e em 2004 do Mané Paulo. Para alem do Bota também componho para a Paraíso Tropical de Penafirme da Mata (Alenquer) á 3 ou 4 anos.

Compor originalmente, tentando dar um cunho pessoal e criar uma tradição de composição que desde logo toda a gente associe á tua pessoa, é motivo de orgulho e é isso que tento fazer, mas é um processo de evolução muito difícil e também de aprendizagem, mas compor um samba é fácil, um samba bom é difícil, e um samba bom e diferente de tudo aquilo que ouviste ainda mais difícil é pois o que não falta aí é samba com harmonias e letras bastantes semelhantes ás do Rio e S. Paulo (até eu por vezes tenho dificuldade em sair do “feijão com arroz”, é preciso é ser diferente e original)

-Juntando a tudo isto ainda cantas e tocas cavaquinho em pagodes e rodas de samba.

Acho que é normal, para alem de aulas de musica há 8 anos com o musico e amigo Prof. Luís Taklim a nossa escola de cavaco e canto são nos pagodes de mesa, rodas de samba de improviso dentro da escola, em outras escolas e a nível pessoal também em outros projectos de samba, que me proporciona uma outra visão do samba, pois tenho a oportunidade de por vezes ir tocar á capital onde existe também muito samba e onde o conhecimento do nosso trabalho ainda é muito reduzido. É um trabalho de encurtar distâncias entre amantes do mesmo género.

De todas estas actividades qual a que te dá mais prazer te sentes melhor ?

O que gosto mais e que é mais abrangente é a roda de samba, aprendi a tocar cavaco apenas e só com essa intenção, na roda tu tens oportunidade de cantar, tocar, compor, mostrar o que compuseste, sambar, beber uma cervejinha (ahahha) falar, rir com os amigos, confraternizar, eu sei lá é mais directo, mas para além disso gosto muito de compor e trabalhar diferentes harmonias e gosto bastante de tocar e cantar, enfim gosto de tudo, até de fazer baquetes á mão, gosto de tudo, ler sobre samba, biografias de compositores, bem é melhor parar ahahahha.

- Como tens visto a evolução das escolas de samba em Portugal ?

Bastante mas bastante positiva, desde a Figueira até Estarreja, inclusive Sesimbra também. A Mealhada também evoluiu e o seu Festival de Samba é muito importante neste aspecto, tem de haver uma montra nacional, um site, um encontro, um festival de uma semana, enfim existe a meu ver muita falta de informação por parte de muita gente que anda no samba que por e simplesmente desconhece da existência de escolas de samba nesta ou em outra localidade, se tem samba original ou não…

- Quais são para ti as escolas que melhor tem apresentado as suas baterias ?

Gosto de falar em baterias no seu todo e formou-se á anos esta opinião que quem toca bem em palco é uma grande bateria. Não sou de acordo pelo simples facto de que existe escolas que não tem onde ensaiar, não tem sede, espaço, som, acústica, enfim estão a meu ver em desvantagem para poder apresentar um bom espectáculo em palco mas isso não é desculpa para não aperfeiçoarem o seu nível técnico e hoje em dia as escola estão a melhorar a olhos vistos as suas condições de trabalho e de ensaios.

Vou então falar de baterias em desfiles ou ensaios que tive oportunidade de ver ou visionar mas poderia criticar alguns naipes de instrumentos que estão em falta, ou mal aproveitados dentro de uma bateria como os chocalhos, cuícas e agô-gôs, pois uma bateria não é só surdos, caixas, tamborins e um repique… (quem me conhece sabe que tenho o maior respeito por todos aqueles que trabalham nas escolas e para as escolas de samba e suas baterias) gosto bastante da Charanguinha, penso apenas que poderia ser mais ousada pois tem elementos que tem capacidade para o fazer (um abraço ao Zé Armando, ao Sérgio e ao Xando), a Vai Quem Quer do Nuno Bastos está mais disciplinada e bastante ousada com um nível altíssimo muito bom mesmo, o Trepa Coqueiro sempre teve e terá uma bateria nota 10 também (um abraço ao Camões e ao grande Pirussas), o Mato Grosso está a evoluir em todas a alas, está a ir num bom caminho (um abraço ao Jota e família), bem como a Rainha mas num degrau atrás a meu ver (um abraço ao Paulo Ferreira e esposa e obrigado pela visita a Sesimbra), o Batuque do Pinho e do Ricardo sempre em grande também (um abraço amigos, grande batuqueiros), Os Sócios da Mangueira do Tomané (obrigado mais uma vez Sr. Presidente dos Sócios) agora com o Xandinho vai de certeza evoluir mais, a Costa de Prata sempre esteve a um grande nível e com muita força (um abraço ao Paquete ao pessoal cinco estrelas), Penafirme está em outras instalações agora e mudou grande parte dos elementos mas já deveriam estar a nível técnico bem melhor Sr. José!!! (estes então nem vale a pena dizer que são nossos amigos e companheiros de férias, aniversários e jantaradas, simplesmente…. Grandes amigos) as outras conheço apenas de palco ou de vídeos e não acho justo falar quanto mais opinar sobre actuações de palco.

A nível de Sesimbra pode ser que alguma coisa mude pois sempre fomos muito egocêntricos e nunca vimos muito os exemplos a norte e mesmo no Rio de Janeiro. No que toca ao Bota é lógico que não vou salientar nada quero apenas advertir que por vezes vamos ao norte participar em Festas Tropicais com 10/11 elementos e não é justo julgar uma actuação de palco com uma bateria de 55 elementos (equilibrada), se calhar é melhor fazer como muitas baterias que ficam em casa!!! Mas isso é a minha opinião. (peço desculpa não ter falado em todas)

-E no geral de todos os quesitos quais as escolas que mais te agradam no país ?

Vou falar mesmo de desfile de escola de samba, ai sou obrigado a falar da nossa, penso que muita gente nutre da mesma opinião inclusive temos desfilado com 200 / 230 desfilantes só prova que as pessoas têm gostado. Vou falar da Vai Quem Quer que como é óbvio tem tido um trabalho também exemplar, o Mato Grosso tem estado também muito coesa e equilibrada mas é complicado falar de mais escolas que têm diferentes visões de desfile que nós aqui no sul, dai não referir mais nenhuma, mas penso que a evolução tem sido uma constante em todos os carnavais, umas mais acentuadas outras nem tanto, as de Sesimbra penso que estão num bom caminho a todos os níveis deixando aqui apenas uma chamada de atenção ao pouco trabalho desenvolvido na pesquisa (a meu ver) e no aperfeiçoamento técnico dos seus integrantes.

-Que gostarias de ver acontecer com o samba em Portugal e em particular com as escolas de samba ?

Uma escola de samba é uma escola de artes, de musica, de canto, de design, de carpintaria, de soldadura, de costura, de pintura, de dança, de letras, de tanta coisa e é um espaço comum de actividades culturais que envolve crianças, jovens, adultos e os mais velhos também, por isso e por muito mais, se deveria lutar ainda mais dentro das mesmas para que mais escolas de samba usufruam das condições que por exemplo muitas escolas do norte têm, isto é, grande barracões com espaço para poderem desenvolver estas actividades, como graças a deus a nossa também agora possuí. Parece conversa fiada mas não é, não tendo bases tudo o resto se torna mais difícil, depois disso haverá mais projecção, mais qualidade no que é feito, mais tempo para organização de festivais e o tão almejado Desfile Nacional que Estarreja está a tentar implementar á sua maneira.

- Concordas com o ENCONTRO NACIONAL de SAMBA ( Estarreja ) a realizar-se nos moldes em que se realiza e com os criterios de avaliação em que se baseia ?

Concordo com a iniciativa mas mudaria alguns critérios, nunca uma madrinha de bateria irá a votação e um samba-enredo ficar excluído, tirando isso e outros detalhes penso que é uma boa iniciativa embora não me importe de ficar de fora os anos que for necessário, não tenho ambição de ganhar. Como nós aqui nunca tivemos concurso não nos faz muita diferença participar ou não, e depois tem também o critério de escolha das escolas que não possuem concurso!!!! Ninguém da Associação de Carnaval de Estarreja nos explicou o porque de ter sido outra escola de Sesimbra a ser convidada e na Figueira escolher a mesma para participar no Encontro Nacional de 2009 ?? (com todo o respeito ao Mato Grosso, Rainha e N. Império). Não ando no mundo do samba com interesse nisto ou naquilo mas gosto de justiça, e sei que ouve outras razões para o Bota não ser convidado este ano, enfim… deixou-nos a todos muitos tristes, não merecíamos, depois do 2º lugar de 2008.

-Que recados gostarias de deixar para quem faz parte da comunidade de sambistas do nosso país ?

Com humildade conhece-se pessoas, tira-se duvidas, aprende-se e divide-se com outros, aprecia-se, choramos, rimo-nos… mas atenção a aprendizagem é uma vida, este processo de evolução e aperfeiçoamento não pode parar, muito menos no samba. Por vezes estamos á frente da bateria a dirigir, em outras ocasiões tem de se agarrar no reco-reco, chocalho, etc.., o importante é que o gosto de tocar não se transforme em gosto poder, gosto de mandar, de aparecer, de se autoproclamar, nada disso, saber sempre o nosso lugar nas diferentes situações e não se esqueçam, os directores de bateria são apenas ou deveriam de ser….batuqueiros. Pelo menos eu sou…tenho é um bocadinho mais de responsabilidade que todos os outros.

Um abraço para todos e se não referi o nome de alguns amigos, não levem a mal.

Obrigado companheiro por me dares o prazer de ser meu amigo. Muitas felicidades