Mais umas notas interessantes-Entrevista


Carnaval é muito mais que folia e samba no pé
O Desfile das Escolas de Samba, que deve sacudir o país em fevereiro, guarda aspectos desconhecidos do grande público, como a organização de uma verdadeira empresa por trás de toda a diversão e o profissionalismo dos artesãos, letristas e carnavalescos.

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Da idéia à fantasia, o carnalval é de todas as cores e tribos



Mitos e Preconceitos



Há quem diga que para se ganhar um Carnaval, mais precisamente falando, o Concurso das Escolas de Samba realizado na passarela do samba, é preciso um bom samba, onde todo mundo saiba a letra e empolgue a avenida. Há quem diga que Escola de Samba é “coisa” para quem tem muito samba no pé.



Mas o que é que está por trás de todo esse “espetáculo”, esse grande show business em que os desfiles das escolas de samba vêm se tornando de vários anos para cá? Como que para ganhar o Carnaval, é preciso realizar esforços que muitas vezes não são vistos na avenida e nem lidos nas entrelinhas dos jornais? Pesquisa, Criação, Relacionamento. O que isso tem a ver com o sucesso de uma Escola de Samba?



O “Xis” da questão



Raul Diniz, paulistano do Alto da Lapa, 25 anos de carnaval, 9 carnavais ganhos. Um carnavalesco que tem em seu currículo escolas como: Mocidade Alegre, Peruche, Camisa Verde e Branco, Gaviões da Fiel, Rosas de Ouro, Vai-Vai, Nenê de Vila Matilde e agora na G.R.C.E.S. X-9, nos mostra que na prática a teoria é outra. Ou seja, “existe um grande pré-conceito em relação ao carnaval, isso até hoje. Para quem não conhece, para você criar uma coisa e fazer um trabalho de um ano no processo de pesquisa, de criação de figurino, tudo que vai acontecer na avenida você tem que ter em mente que é um universo totalmente diferente. Você tem que ter reflexo rápido, pensar rápido, resolver os problemas rapidamente. Tem que imaginar, por exemplo, tem que agradar a um montão de gente. Agradar a diretoria da escola, agradar os componentes, os jurados, o público, a imprensa”. Em resumo, é preciso saber que há muitas pessoas envolvidas em todo o processo e que você não está sozinho, que o que emplaca mesmo é o relacionamento, é a soma das forças envolvidas e principalmente o sentir-se participante que vão despertar o espírito de campeã.



A figura do Carnavalesco



A “criação” é a atividade que dá corpo a uma Escola de Samba e é através do carnavalesco que vai ganhando formas e cores a idéia primeira para o tema a ser desenvolvido. “Hoje, em determinadas escolas, depois do presidente é o carnavalesco que determina o carnaval, na parte de criação, na parte de pesquisa, do desenho da fantasia. Além disso, projeto dos carros alegóricos, acompanhamento, as cores, gente que vai entrar, fantasia que vai subir, toda a montagem do desfile. É a produção todinha, é a criação, a direção de arte. Então, é uma figura que determina tudo que vai acontecer”. Porque tirando todo aquele lado da folia, da bagunça, que é uma coisa de extravasar das pessoas, tem um lado de trabalho mesmo, de empresa. Você tem que estar antenado em tudo que acontece e que envolve o grande acontecimento que é o Carnaval.



Muito antes de fevereiro



Uma Escola de Samba começa a andar a partir de abril/maio do ano que antecede ao próximo carnaval. É aí que já aparece a figura do carnavalesco. Conforme nos conta Raul Diniz, pode acontecer de a escola já ter um projeto pré-encaminhado, um patrocínio engatilhado. Mas ocorre que, na maioria das vezes, é o carnavalesco que apresenta uma proposta. Por exemplo, “eu faço uma sinopse pra eles – diretoria – e faço uma montagem de desfile, tudo que vai acontecer no desfile. Eu falo: olha, no primeiro setor vai acontecer isso, vai acontecer aquilo tal e tal. Aí é que os compositores vão fazer os seus sambas, ou sozinhos ou em grupo. Tem uma média de 20 a 30 sambas concorrentes dentro da escola e todo esse subsídio de idéias sou eu que dou pra eles, conversando, marcando reuniões, tirando dúvidas, etc. Então eles fazem o samba, a gente faz um concurso interno com o acompanhamento de um corpo de jurados da escola pra gente escolher o samba que vai pra a avenida.







Enquanto isso eu vou desenhando todas as fantasias de chão, desde a comissão de frente até a última ala: bateria, baiana, criança, etc. Afora isso você tem que ir buscar novos materiais, novos visuais, dar um efeito legal e não é só isso, não é só beleza, não. Tem que haver o conforto do componente, como é que ele vai vestir, como isso tudo vai acontecer e tudo isso reproduzido em 120, 150, 200 fantasias. Então você tem que imaginar tudo isso”.







Carnaval, espaço de valorização de idéias



O carnaval talvez seja o único espaço, no Brasil, onde as idéias de um artista são valorizadas rapidamente. Senão vejamos: o Carnaval é uma válvula de escape, porque nele você cria, você tem o resultado imediato, as pessoas falam pra você se gostou ou não, se vai ou não vai, afora isso você tem muito mais liberdade. Raul também nos conta que apesar de o resultado final ser muito rápido - por isso que você tem que ter segurança e convencimento - você precisa saber convencer as pessoas de sua proposta. Porque o “campo é muito aberto e infelizmente você tem que contratar muita gente de fora, que vem do Rio de Janeiro, de Parintins, etc. porque o pessoal daqui ainda tem um preconceito danado em relação ao carnaval. Existe um mercado informal muito grande, só que meio escondido. Não tem divulgação. Por exemplo, pelo que nos conta Raul, “aqui não tem enrolação, ou é ou não é!”. Porque o recurso é muito pequeno. Se formos comparar com o Rio de Janeiro, é ridículo, lá a verba é quatro vezes maior. Por isso que é mais fácil um carnavalesco de São Paulo fazer um carnaval lá – Rio de Janeiro – do que fazer um aqui. Aqui não, aqui você tem que bater escanteio e fazer o gol”.



Por dentro do Barracão



É ali, no barracão da escola de samba, que as idéias tomam corpo. Suas atividades começam por volta de agosto/setembro, quando então as pessoas começam a ser contratadas. Mas existem aqueles que não têm formação nenhuma de carnaval, mas gostariam de participar. O que fazer? Segundo Raul Diniz “é no barracão que a gente ensina. É no barracão que de repente aquela pessoa se descobre com uma outra coisa, ou vai pro adereço, ou pra marcenaria... São vários caminhos que ela pode desenvolver”.



Nesta nossa conversa, aprendemos que o carnaval abre várias possibilidades. O carnavalesco é a figura importante dentro do carnaval. Ele precisa ter habilidade pra lidar com as pessoas, se perder o comando o fracasso é certo. “Eu aprendi uma coisa com Joãosinho Trinta, que eu acho super importante: trabalhar com a cabeça das pessoas, principalmente nesse meio em que as coisas são muito subjetivas. Eu posso achar bonito um negócio e você não. O conceito de beleza de carnaval é um e de artista é outro. Conceito de beleza de carnaval é brilho, é pluma e o outro lado não, é sutileza, é coisa enigmática, vamos dizer assim”.



Show Business



O Carnaval há muito vem se tornando um show business. Ganhando um carnaval, a escola de samba terá mais shows para o ano seguinte, viajará muito mais, conseguindo mais recursos, e é aí que ela ganha dinheiro. Agora, patrocínio, mesmo, é muito difícil. Ainda no meio do empresariado há uma certa desconfiança em relação à aplicação dos recursos, pois há uma queixa em relação ao não profissionalismo de muitas escolas. Ainda é muito difícil convencer o empresário de que ele está aplicando dinheiro no lugar certo. Raul Diniz nos mostra que se houver o aporte, por exemplo, de R$ 300.000,00 para uma escola de samba, você – patrocinador - terá direito de usa-la por um ano e não paga uma página da Veja. Para isso, as escolas precisam se aprimorar no trabalho de marketing, abrindo possibilidades para o patrocinador.







Um bom desfile depende de um bom samba?



Depende, diria Raul Diniz. O segredo pra se ganhar um carnaval é Samba e... muito trabalho! “Lembro o carnaval de 95, onde a Gaviões da Fiel saiu-se vencedora, e que tinha o samba “me dê a mão, me abraça...” Isso você canta em qualquer lugar e é uma coisa antológica, mas para mim não era o melhor samba. O de 94, era melhor”.



Mas o que mudou então? “Se você pegar sambas de Silas de Oliveira, Paulinho da Viola, etc., é outra linguagem, Martinho da Vila no tempo da Vila Isabel... Agora, é o tal negócio, é muito fácil você analisar, se lembrar um samba de 80... sambas antológicos que ficaram na memória... bum-bum pa-tchi-cum-bum... sei lá, um monte de samba e, se pegar por exemplo quem ganhou o carnaval do ano passado, a Casa Verde, nem o componente sabe a letra. Acaba ficando uma coisa meio forçada, o duro é isso”.



Qualidade X Quantidade



Ao final de todo o trabalho, espera-se sempre uma compensação. Mas nem todos pensam assim. Numa autocrítica, Raul aponta que “cada um tem seu jeito. E o meu é mais discreto. Eu gosto de ficar num canto observando, porque o teu trabalho tá lá, não tem mais o que fazer. O ano passado mesmo nós ficamos em segundo lugar (...) mas não foi um carnaval que me satisfez.



Uma que foi difícil pra caramba e outra que não saiu aquilo que era pra acontecer. (...) e coisas que eu acho que poderiam ser melhor se tivesse tido uma outra idéia e tal teria sido melhor. Também existe a questão de que a cada ano os desfiles vêm inchando. “Você pega hoje, o ideal para desfile é 12 escolas, 6 em cada dia, que aí não desgasta ninguém. Você teria mais tempo para desfilar. Agora não, hoje com 16 escolas...sem chance, fica quantidade, não tem qualidade”.



Para cair na folia

O tema deste ano da G.R.E.C.S. X-9 é “Força Brasil, País que surge da tinta, Delira num carnaval de Cores”.





Autor : Marcos Marsulo - Historiador
Fonte : Jornal Novas Técnicas
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