Aos 3 devo muitas coisas que aprendi no mundo do samba e mais que não fosse teria sempre que aprender com eles A MANEIRA COMO SOUBERAM ESTAR.... DIVULGAR E ENSINAR DESDE OS PRIMORDIOS DO SAMBA EM PORTUGAL.
SEM HIPOCRISIAS NEM FALSAS MÓDESTIAS !! PORQUE SABIAM.... E SABEM DO ASSUNTO E TRANSMITIRAM-NO PARA QUEM QUISESSE APRENDER.
ENTREVISTA COM RICARDO MIRA
Como foi o início dessa já longa carreira ao serviço do samba?
Tudo começou quando eu tinha eu 6 anos e na altura o meu pai dirigia uma pequena orquestra que acompanhava o “Grupo Infantil Académico”, por ele ensaiado, na Academia de Sacavém. Este grupo fez sucesso e tinha nas muitas músicas que eram interpretadas por crianças dos 6 aos 12 anos, “ A voz do morro”, um samba de autoria do portelense Zé Kéti foi o primeiro samba que decorei. Mais tarde aos 12 anos comecei a tocar violão e a este samba juntaram-se “Trem das onze” de Adoniran Barbosa, “Madureira chorou” de Carvalhinho e Júlio Monteiro, “Tristeza” de Haroldo Lobo e Niltinho, “Festa para um rei negro” de Zuzuca, que foi samba enredo do Salgueiro em 1971, entre outros, que passaram a fazer parte do meu reportório. Aos 16 anos comecei a tocar em grupos musicais que abrilhantavam os bailes onde o samba nunca foi esquecido e em 1980 surgiu a ideia de organizar uma Escola de Samba.
Sendo a ACADÉMICA DE SACAVÉM a 1ª Escola relembra-nos como foram os primeiros passos na escola com a tua influência?
Os primeiros passos foram difíceis para quem muito pouco entendia do assunto. Juntei um grupo de amigos, os instrumentos eram tirados de baterias usadas, os ensaios semanais, as fantasias feitas por um grupo de costureiras e no Carnaval de 1981 desfilámos pela primeira vez na Escola cujas cores defendi até 1988.
Como surgiu a Escala de Samba CAPRICHO DE ABRIGADA?
Em 1988 por motivos familiares fui residir para Abrigada. Eram frequentes “almoçaradas” e festas na aldeia, nelas tocava uns sambas para alegrar o ambiente. Passei a fazer parte de um grupo de amigos e neles notei que existia afinidade com este género musical. Com a colaboração de alguns destes e com a experiência que adquiri em Sacavém, em apenas 21 dias conseguimos preparar a Escola que desfilou pela primeira vez no Carnaval de 1989.
Como analisas o momento actual da ABRIGADA em relação ao que ela já foi em tempos já um pouco distantes?
No momento actual a Escola de Samba prepara no seio da eleita Comissão o Carnaval de 2010, ultimando-se nesta altura a sinopse e o roteiro. O carnavalesco continuará a ser o Paulo Macedo e o samba enredo já está a ser por mim trabalhado. O tema será “A evolução do homem” e irá ser abordado desde a antiguidade até à modernidade, terminando com uma previsão futurista. O enredo irá ser desenvolvido abordando a evolução cultural, política, religiosa, etc. Comparar os desfiles efectuados no ano passado e aquilo que se poderá fazer em 2010 com aquilo que foi a Escola em tempos já um pouco distantes, não tem nada a ver, pois a sua constante evolução nem permite comparações.
Sendo o primeiro a realizar uma FESTA de SAMBA com várias Escolas de samba de localidades diferentes que opinião tens de toda a evolução que essas festas tiveram?
A primeira festa de samba que realizei foi na Académica de Sacavém em 1988 aquando da eleição do samba enredo da Escola. Esta festa contou também com a presença das Escolas de samba Trepa no Coqueiro e Marisamba de Sesimbra para além de Riko Dorileo e Marília Barboza, escritora de múltiplos livros biográficos de grandes vultos do samba tais como, Cartola, Pixinguinha, Paulo da Portela, Silas de Oliveira, etc. Em 1990 em Abrigada passei a organizar anualmente as Festas tropicais e a incentivar todas as Escolas participantes que chegaram a ser 13, para além de outros grupos de música popular portuguesa e africana, a realizarem este tipo de evento. As excelentes condições que dispomos fizeram desta festa o grande encontro nacional das Escolas de Samba Portuguesas e o meu apelo teve sucesso. A esta festa sucederam-se outras em todas as localidades onde existem Escolas de Samba. Quero crer que foi grande a evolução das Escolas porque, “grosso modo”, todos aprendemos visualizando o trabalho dos outros.
Momentos mais felizes no samba até hoje?
Foram tantos que até me custa enumerar. Vão desde a emoção que é participar numa Escola de Samba que desfila com um samba feito por mim e já são mais de 100, as vitórias nos múltiplos Carnavais, não esquecendo a participação no ano 2000 no sambódromo onde ao lado de Neguinho da Beija Flor cantei, no desfile das campeãs, o samba enredo “Brasil 500 – Rio 2000 & Samba”, de Martinho da Vila, na Escola de Samba Unidos do Mundo.
E os momentos mais difíceis?
Estes sim felizmente foram poucos, recordo com tristeza o cessar da Escola de Samba Académica de Sacavém mas acredito que a raiz ficou, basta somente que alguém um dia lhe deite água e certamente voltará a florescer. Não posso também esquecer aqueles que no seio das Escolas se foram da lei da morte libertando. Resta-me a esperança que um dia voltaremos a estar juntos.
Como tens visto a evolução das escolas de samba em Portugal?
Considero que as Escolas de Samba portuguesas têm evoluído muito. Para isso tem contribuído o muito mais fácil acesso aos meios de comunicação dos quais destaco a Internet e a televisão. O acesso aos sambas, aos instrumentos, aos tecidos, aos adereços e porque não dizê-lo às festas e aos encontros onde todos podemos aprender para evoluir. As alegorias e as fantasias morrem, algumas Escolas infelizmente também acabam mas, “OS SAMBAS SÃO ETERNOS”. SEMPRE pugnei por desfilar com SAMBAS ORIGINAIS. As minhas criticas CONSTRUTIVAS por existirem Escolas que insistiam e insistem em copiar os sambas das Escolas brasileiras, vou vendo agora que não caíram em saco roto. Este facto é também, no meu ponto de vista, um grande contributo para a evolução das Escolas de Samba em Portugal que sempre respeitei e que daqui saúdo.
Paralelamente às escolas formaste ainda 2 grupos de samba. Um ainda em Sacavém e outro depois já em Abrigada. Como foi essa história e que resta dela?
Aos convites que surgiram tanto em Sacavém como na Abrigada para participações em espectáculos de palco senti a necessidade de organizar o “Samba troupe” em Sacavém e o “ Roda de samba” em Abrigada. Estes grupos não só foram a base de sustentação das Escolas para este tipo de espectáculos como também foram a base na formação das baterias das Escolas. Quero salientar que em ambos os casos, cimentámos entre os elementos uma forte amizade que perdura.
Sei que tens amizades bem profundas com algumas personagens do samba no Brasil. Eles têm sido para ti ao longo dos anos uma fonte de inspiração, ensinamentos e de modelos?
Das 3 vezes que estive no Rio tive oportunidade de conhecer algumas personagens do samba as quais, sem dúvida foram e ainda são, fonte de inspiração, ensinamentos e de modelos. O meu destaque vai para D. Neuma, D. Zica, Darcy da Mangueira, Jamelão, Nelson Sargento, Mocinha, Delegado, Noca da Portela, Walter Alfaiate, Neguinho da Beija Flor, Mestre Paulinho, Alcione, Beth Carvalho, Grupo Fundo de Quintal e muitos outros. Aos que infelizmente já não fazem parte do nosso grupo espero voltar a encontrar um dia e nesse dia espero também conhecer aquele que é a minha principal referência no samba, Mestre Cartola.
Que gostarias de ver acontecer com o samba em Portugal e em particular com as escolas de samba?
Gostaria acima de tudo que fosse criada a LIGA DAS ESCOLAS DE SAMBA PORTUGUESAS, visando um DESFILE NACIONAL.
Concordas com o ENCONTRO NACIONAL se SAMBA (Estarreja) a realizar-se nos moldes em que se realiza e com os critérios de avaliação em que se baseia? Fazendo um pouco de história, recordo que em 6 de Junho de 1992 realizei em Abrigada o 1º Encontro das Escolas de Samba Portuguesas, desfile que contou com as Escolas de Samba Charanguinha de Ovar, Académica de Sacavém e Capricho de Abrigada. Nesse mesmo ano com Riko Dorileo, Francisco Silva e Célia Pessoa de Barros fiz parte da Comissão Organizadora da União Geral das Escolas de Samba Portuguesas visando um desfile nacional que não resultou pela então pouca colaboração das Escolas. Alguns anos depois estive com Marília Barboza na organização de um desfile nacional aquando do encontro em Lisboa dos presidentes dos países de língua oficial portuguesa, encontro este cancelado pela indisponibilidade do presidente de Angola. Em 21 de Maio de 2000 colaborei na realização do 1º Desfile Nacional das Escolas de Samba Portuguesas que se realizou no parque das nações em Lisboa e que contou com Escolas de Samba de Ovar, Estarreja, Mealhada, Abrigada, Sacavém e Sesimbra. Tudo isto para dizer que são de louvar todos estes encontros como o que agora se realiza em Estarreja. Quanto aos critérios de avaliação, cada organização fará o que melhor entender, o mesmo se passa com as comissões de Carnaval onde existe competição entre Escolas. Na minha opinião deveria haver uma Liga das Escolas de Samba Portuguesas visando um desfile nacional com regulamento próprio para classificar as Escolas de Samba participantes.
Olhando para trás e recordando todo o teu trabalho o que te deixa mais orgulhoso?
Modéstia à parte mas sinto orgulho de tudo o que fiz no panorama do samba em Portugal e mais, quero continuar a sentir.
Que recados gostarias de deixar para quem faz parte da comunidade de sambistas do nosso país? Para além de alguns recados que deixei nesta entrevista deixo também o título de um dos meus sambas mais bonitos que foi Samba enredo da Escola de Samba Capricho de Abrigada no Carnaval 1996. “O SAMBA NÃO PODE PARAR”.
Saudações sambistas. Ricardo Mira
Obrigado companheiro e muitas felicidades.